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Testemunho oral de Cascudo

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Ticiano Duarte
escritor

Ainda estudante do velho Atheneu, no meu primeiro emprego, no jornal “A República”, vi muitas vezes o mestre Cascudo visitando o pessoal da redação, em papo animado, a despertar a curiosidade dos mais jovens quando falava sobre algumas figuras emblemáticas da cidade, revelando fatos e episódios desconhecidos de todos nós. Lembro de um final de tarde em que ele prolongou a conversa por mais tempo, na sala da direção, discorrendo sobre a personalidade marcante e determinada do médico Luiz Antônio dos Santos Lima. Elogiava sua inteligência, as qualidades profissionais, o talento, a vocação para política e vida pública. Era um grande orador, capaz de enfrentar qualquer debate em plenário sustentando suas teses, com loquacidade e desembaraço.

Mestre Cascudo dizia que o Rio Grande do Norte cometera uma grande injustiça com Luiz Antônio. Ele disputara mais de uma vez um mandato legislativo, sem êxito. Tinha bagagem cultural, uma soma de serviços prestados ao estado e ao seu povo. Teria honrado sua terra no Congresso Nacional, mas infelizmente não conseguira o apoio dos seus conterrâneos. No final de tudo, segundo enfatizava Cascudo, o Rio Grande do Norte foi quem saiu perdendo, não se deixando representar por quem estava à altura das suas mais autênticas tradições políticas.

Nessa tarde da presença de Cascudo no jornal, houve uma coincidência impressionante. Quando o mestre encerrou a conversa sobre Luiz Antônio, de repente entra na sala do diretor, nada mais nada menos do que o próprio, doutor Luiz Antônio, trazendo em mãos um edital para ser publicado no Diário Oficial. Cascudo exclamou: “Era de você que eu estava falando, mas falando de bem”.

Outra figura que Cascudo relembrava na sua fase áurea de tertúlias e boemias, era do antropólogo paraense Nunes Pereira, na época  em que andou por aqui nos anos 40, revolucionando a cidade, desafiando os setores conservadores, fazendo questão de contestar de forma insolente os que criticavam seus atos modernos, na província ainda muito preconceituosa.

Quando o jornal a “Ordem”, que representava o pensamento da Igreja Católica, promoveu um seminário de combate ao álcool, Nunes Pereira organizou outro para defender o uso da droga de forma moderada, como entretenimento, de instantes de alegria, uma maneira de confraternizar e fazer amigos. De um lado a condenação do uso do álcool, de outro, para escândalo de muitos, sua louvação.

Cascudo dizia que Nunes Pereira vivera grande momentos em Natal, afeiçoando-se à terra e ao povo. Pedia aos amigos que se por acaso aqui morresse fosse sepultado nas dunas, com a seguinte inscrição na beira do túmulo: “Aqui jaz Nunes Pereira. Amou loucamente os morros brancos, os cajus vermelhos, o álcool opalescente e as morenas cor de sapoti”.

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