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Todo lugar pequeno tem coisas imensas

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Nivaldete Ferreira
([email protected])

Quem nasceu em lugar pequeno sabe que é assim, que nesses reinos existem coisas maiores que as maiores torres do mundo, mesmo que sejam coisas muito pequenas. Do tamanho de um pirulito caseiro, por exemplo. O tamanho ampliado fica por conta do nosso programa de memória e sensações, mais rápido e eficiente que qualquer programa de computador.

Nestes, posso pegar uma foto em que estou pronta para caminhar na rua, numa dessas manhãs escaldantes, e de repente estou mesmo é no pico do Everest ou à beira de um cânion, que tanto pode ser um daqueles amedrontadores de Idaho quanto o cânion dos Apertados, no município de Currais Novos-RN.

Podemos impressionar os incautos, mas é tudo falso. Não são lembranças, são montagens. Lembranças verdadeiras sequer precisam de fotos. Sim, mas por que meti um pirulito nesta história?… Porque soube que Maria Barreto morreu, quase aos 100. Nasceu e viveu em Nova Palmeira-PB, mas passou os últimos tempos em João Pessoa, com as sobrinhas. Não era escritora, artista, poeta ou coisa que o valha. Ou era, na condição de ‘coisa que o valha’. Adoçar infâncias com pirulitos por acaso não é ‘coisa que o valha’ em relação a fazer poesia ou…  ‘coisa que o valha’?… Ela passou a maior parte da vida fazendo pirulitos para vender, e vendeu a muitas gerações de meninos e meninas de Nova Palmeira. Quando os furos da tabuleta estavam preenchidos com eles, estrategicamente à vista dos desejantes, era o momento de correr para lá. Custavam o equivalente aos 50 centavos de hoje.

Dentro do pequeno cone de papel-seda branco, com a ponta bem torcida, havia mais que mel de açúcar endurecido e transparente com discreto gosto de limão, havia um fragmento de sol em temperatura ambiente que a gente lambia até dar no palito de palha de coqueiro. Doce de sol… Enquanto durava o ritual de lambição, as conversas rolavam na paz, geralmente numa ponta de calçada, debaixo de um pé de fícus ou na balaustrada roliça e amarela de uma certa casa.

Depois, com a demora na dispersão, a ‘viagem’ era interrompida pela voz de alguma mãe chamando a sua cria. “Pra casa!”. E a obediência se fazia sem drama porque, afinal, se estava em estado de graça. Por artes dos pirulitos de Maria Barreto.

 Quase diria que ela, a esta altura, deve estar fazendo pirulitos para consolar as crianças que deixam este mundo, tão antes da hora, e tantas vezes por força de homens que transformariam um pirulito desses em bala (de matar). Prefiro pensar que ela, agora, está ocupada em fazer nada, só aproveitando o descanso e a preguiça que o céu deve permitir… Nada de calor de fogo, queimadura. Pirulito, não mais. Cada um faça o seu ou fique com as lembranças. Lembranças verdadeiras, literalmente melosas. E acho que escrevi este texto com a ponta do último pirulito que saboreei por lá…

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