quinta-feira, 25 de abril, 2024
32.1 C
Natal
quinta-feira, 25 de abril, 2024

Todos os homens que são “Lula”

- Publicidade -

Luiz Carlos Merten

São Paulo – Os três são um só: o presidente. Correto? Representam diversos momentos da vida do homem, antes de virar presidente. Felipe Falanga interpreta Luiz Inácio aos 7 anos, Guilherme Tortolio faz Luiz Inácio da Silva aos 13, quando ele se forma como torneiro mecânico, e Rui Ricardo Dias encarna Luiz Inácio Lula da Silva, o metalúrgico. Nenhum deles é, de fato, o presidente, porque o personagem retratado em “Lula, o Filho do Brasil” termina o filme em 1980, antes das tentativas que o levaram ao cargo.

O filme está sendo chamado de eleitoreiro, chapa branca. As acusações vão acompanhá-lo sempre. Para se defender, “Lula, o Filho do Brasil” só tem a si mesmo. Pode-se criticar muita coisa no filme, pode-se até negá-lo, mas sempre com uma ressalva – salvaguardando o elenco. Você poderá conferir só a partir de 1º de janeiro.
Filmografia do presidente Lula vem colecionando elogios e críticas por onde tem sido exibida
Glória Pires faz dona Lindu, a mãe de Lula, e Guilherme Tortolio diz que, na verdade, o filme é ela, sobre ela. Não se iludam. A mãe é fundamental. Prepara os filhos e o filho – aquele filho – para ser teimoso e se levantar não importa quantas vezes caia. Dona Lindu não sabia, mas talvez fosse, na vida, uma personagem felliniana – essa teimosia, o reerguer-se sempre, caracteriza a Guilietta Masina de As Noites de Cabíria.

A mãe pode ser metáfora da pátria, mas o filme é sobre o filho do Brasil. Todos os Lulas já conhecem o homem. Guilherme conversou uns 20 minutos com ele. Rui, 30 segundos, o tempo de um aperto de mão. Rui, o primeiro a ser escolhido para o papel, foi a matriz para os outros. Ele veio do teatro. Preparou-se física e emocionalmente, mas se você pedir que imite Lula ele vai dizer que não sabe. Seu segredo, em cena, não é a voz. É o olho marejado.

Entrevista: Rui Ricardo, Guilherme Tortolio, Felipe Falanga, atores

Quarta-feira, 4 da tarde. Dois dos Lulas, Felipe Falanga e Guilherme Tortolio, já estão no local em que vai se realizar a entrevista. Passam-se cinco minutos da hora marcada. O terceiro Lula, o adulto – Rui Ricardo Dias -, chega esbaforido, desculpando-se. A rigor, nem se trata de um atraso, numa cidade em que o trânsito relativiza os horários e 4 poderia virar 4 e meia sem que ninguém reclamasse. Todos os Lulas. A entrevista pode começar.

Muita expectativa para a pré-estreia?
RUI RICARDO DIAS – Acho que vai ser bacana, emocionante. Sou ator de teatro, acostumado a ver a cortina se levantar todo dia, mas é diferente. Na tela, a interpretação está ali definitiva, para sempre. Ainda não me acostumei. E, desta vez, o próprio personagem que represento estará presente. Mesmo que ele não fosse o presidente, seria uma responsabilidade. Aliás, mesmo que Lula não tivesse chegado a presidente e tivesse ficado só como sindicalista, em São Bernardo, acho que sua história já mereceria ser contada como um recorte possível do Brasil, da nossa força, da nossa tenacidade

O filme tem sofrido todas essas acusações de eleitoreiro, chapa branca, melodramático. O próprio esforço de vocês se arrisca a ir para o ralo, porque no afã de fixar posição contra o filme muita gente passa com o rolo compressor.

GUILHERME TORTOLIO – Acho que não entendem, ou não querem entender. Inventam muita m… O filme não é sobre ele, é sobre a mãe dele. É sobre a família. Não é sobre política, quer dizer, tudo é política, até respirar, estar aqui falando. Mas o filme é sobre a vida do brasileiro. Do meu ponto de vista, participar dessa experiência foi uma coisa muito rica. Sou competitivo. Gosto de ser o melhor no que faço e fui fundo para fazer o personagem com o máximo de verdade possível. Acho que conseguimos, agora não falo somente por mim.

RUI – Para o ralo não vai, não, porque tem gente séria que reconhece o esforço. Mas, por outro lado, não querendo ser ingênuo, as reações ao filme são muito interessantes de ser analisadas. As críticas terminam dizendo mais sobre os veículos do que sobre o filme. Ninguém é burro. Ninguém é obrigado a gostar de Lula, o Filho do Brasil. Mas os ataques que se fazem ao filme, em nome de uma, digamos, isenção, revelam um comprometimento muito forte com o outro lado. Tem jornal que considera o filme um ato político e nem se dá ao trabalho de pedir aos críticos que o analisem. As análises têm sido feitas por profissionais de outras áreas. O filme já era criticado antes de ser visto. Ou seja, agem exatamente como acusam o filme de estar fazendo. Isso é estranho, no mínimo. Talvez um dia, o filme consiga ser olhado com outros olhos, passado esse momento, não sei. Mas gostaria que ele não fosse visto com tanta paixão e fosse encarado como filme – um filme que conta, aí sim, vamos ver se bem ou mal, uma história que merece ser contada.

Vamos ao começo. Como vocês foram escolhidos para os papeis?
RUI – Bom, eu fui o primeiro. Primeiro, o Fábio (Barreto) me escolheu…

GUILHERME – É, e depois ele foi moldando o elenco em função do Rui. Me lembro que, numa primeira etapa, depois de passar pelo afunilamento, sobramos dois jovens disputando o papel de Lula aos 13 anos. Eu achava que ia fazer o Lambari, mas foi o outro que terminou ficando com ele. Durante todo o processo, tiravam muitas fotos da gente, filmavam e, depois, começaram a nos fazer interagir, o Rui, o Felipe e eu.

Como foi para você, Felipe?
FELIPE FALANGA – Ah, eu fiz muitos testes, mas no final também ficamos dois. Não diziam que era para o Lula…

RUI – É, não diziam, e eu acho que isso foi muito bom. Para mim, por exemplo. Muita gente foi desclassificada porque já chegava querendo interpretar o Lula. Chegava cheia de preconceitos e isso ia eliminando um monte. Meu primeiro teste foi para fazer um sindicalista amigo do Lula. Minha agente ligou para dizer que eu não havia ficado com o papel. Fiquei triste, mas tudo bem. Uma semana depois, ela me ligou dizendo que o Fábio queria me testar para o papel do enfermeiro. Aí começou uma movimentação. Fiquei um tempão fazendo testes, sendo fotografado. Num determinado momento, comecei a intuir que eles me queriam para o papel do Lula, mas não estava acreditando.

Na coletiva, em Brasília, Fábio deu a versão oficial para sua escolha. O ator que faria o papel era diabético, tinha problemas de pressão, e não poderia passar pelo processo radical de engorda e emagrecimento que você enfrentou. Você teve de engordar dez quilos para começar o filme pelo fim, gordo, e depois teve de perder o peso em uma semana…
RUI – É, mas não consegui perder em uma só semana, não. Demorei um pouco mais. Mesmo assim, foi um processo muito intenso. Sei que quando me escolheram, o Sérgio (o preparador de elenco Sérgio Penna) colou em mim. No total foram quatro meses de trabalho. Dois de preparação e dois de filmagem. Nos dois primeiros, fui para São Bernardo e comecei a frequentar todos os trabalhos que o Lula frequentava. Fizemos o curso de torneiro mecânico, Guilherme e eu. Paralelamente, comecei a me documentar. Lia tudo, via tudo que podia sobre o Lula, tentando entender o personagem. Li o livro da Denise Paraná (“Lula, o Filho do Brasil”). Começamos a esboçar como seria o personagem, Sérgio e eu. Embora de teatro, nunca empostei minha voz para tentar falar como Lula. Falava no meu tom, como estou falando com você agora. E terminei encontrando o meu Lula. Foi pelo olho. Percebi que ele é um cara que se emociona muito, que tem sempre o olho meio marejado. Aconteceu tanta coisa com essa cara. Não estaria fazendo o Lula se não viajasse na emoção dele.

A grande sacada de Fábio Barreto foi ter escolhido vocês, três desconhecidos. Glória Pires, por melhor que seja, é a Glória fazendo dona Lindu. Vocês são o pré-Lula. A gente conhece o cara, mas não a história dele, e com vocês fica mais fácil.
GUILHERME – É bacana mesmo. Era arriscado, mas ficou bacana. Bem antes do Lula, já tinha me preparado para fazer um filme americano, de um gringo, Tinha passado pelo processo de seleção, sido escolhido, mas o filme não saiu, por causa de verba. Era para ser um filme caro, parece que o gringo quebrou a companhia. Aí veio o filme do Lula. Batalhei, ganhei o papel, mas agora fiz o curso de torneiro no Senai (de São Bernardo). Ainda não sei se vou continuar ator, mas, para garantir, já tenho outra profissão. Quero ter meu dinheirinho para comprar carro quando tiver 18 anos. É o meu plano.

E o seu, Rui?
RUI – É continuar ator. Minha última peça foi uma adaptação de Dostoievski,” A Propósito da Chuva”, no Teatro X, e agora trabalho em outra adaptação dele, de uma novela menos conhecida, “Uma História Lamentável”. Sempre fiz teatro cooperativo, na Casa Laboratório, na Fundação Pontedera, com Cacá Carvalho e Roberto Bacci, e pretendo continuar. Algumas pessoas já me fizeram ofertas, mas por enquanto não tem nada certo. Acho que está todo mundo na expectativa de o filme sair.

Cada um de vocês tem sua grande cena no filme. A do Felipe é quando o Lula, pequeno, peita o próprio pai, que se opõe a que os filhos frequentem a escola e ameaça bater em dona Lindu. Embora pequenino, você berra com o Milhem Cortaz, um ator intenso, que faz o pai, gritando que homem não bate em mulher.
FELIPE – Essa frase veio do teste e foi mantida no filme. Acho até que me escolheram por ela, do jeito como eu disse. O Sérgio (Penna) trabalhava mais com o Rui. Comigo e com Guilherme, trabalhava uma assistente dele, Silvana Matteusi. E tinha aquela coisa de a gente viver agregado à Glória (Pires), porque ela era a mãe. A produção brincava dizendo que ela tinha três famílias, de acordo com a época dos filhos. Quando conheci o Lula, foi sobre o que ele perguntou. Sobre a Glória como mãe dele. Acho que é o que ele está mais curioso, não sei, achando que vai reencontrar a mãe. Mãe é sempre importante, né?

A sua grande cena, Guilherme, é quando o jovem Luiz Inácio rouba um beijo da garota.
GUILHERME – Eu acho que as minhas cenas fortes são com a mãe, porque dona Lindu é a personagem principal. É o jeito como vejo o filme. Mas também acho essa cena bonita. Ela tinha de ser rápida, como um beijo roubado. A preparadora Silvana fazia com que a gente vivesse junto no set. Eu, o Lambari, a irmã dele. O beijo aconteceu assim. Espontâneo e, ao mesmo tempo, muito trabalhado, porque nada no filme foi ao acaso. A gente ralou muito.

No seu caso, Rui, fica mais difícil dizer qual é a grande cena, mas pessoalmente acho que é a do estádio de Vila Euclides, quando o sindicalista Lula convoca os metalúrgicos para uma assembleia, surge aquela multidão, ele não tem microfone e fica pedindo aos colegas que vão transmitindo aos demais o que ele diz. Suas palavras vão em ondas que voltam como um Tsunami, como um apoio da categoria. Considerando que a maioria era formada de nordestinos, ex-retirantes, é o momento em que se cumpre a profecia de Glauber Rocha e o sertão vira mar, como diz o cantador de “Deus e o Diabo na Terra do Sol”.
RUI – Aquela cena foi muito forte, muito bonita. Exigiu muita preparação e haviam muitos figurantes, entre eles metalúrgicos que haviam estado lá, na época, e reviviam aquele momento como se tivessem entrado num túnel do tempo. Eles choravam de emoção e eu também. Aquele é o momento em que o Lula começa realmente a fazer história. Aquilo é outra forma de recontar a história do Brasil, do ângulo dos trabalhadores. Mas a cena mais difícil para mim foi outra, quando o Lula perde a primeira mulher e o filho durante o parto. Foi o momento mais difícil de representar no filme. Chorei na cena, uma das mais marcantes.

E a perda do dedo?
RUI – A cena, em si, foi intensa mas não difícil. Difícil foi representar depois, escondendo o dedo. Mas chegou um momento em que eu esquecia o truque e a coisa funcionava como se fosse de verdade. Se funcionava para mim, acho que vai funcionar para os outros. Mas vou lhe dizer. Fico até sem jeito quando as pessoas me pedem para imitar Lula. Não fiz trabalho de imitação, nem sei imitá-lo. Era uma coisa profunda, muito solitária. Às vezes ficava duas horas sozinho no set, me concentrando. Só gostaria que as pessoas soubessem disso.

- Publicidade -
Últimas Notícias
- Publicidade -
Notícias Relacionadas