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Trabalhadores temem desemprego por causa de medidas restritivas

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Mariana Ceci
Repórter

De acordo com estimativas da Organização Mundial do Trabalho (OIT), até 24,7 milhões de trabalhadores do mundo inteiro podem perder seus empregos por causa da pandemia do Coronavírus. Em muitos dos países afetados, como Reino Unido, Irlanda e Alemanha, governos optaram por intervir com pacotes econômicos e programas sociais a fim de tentar refrear o efeito dominó que a quarentena terá sobre a economia e, consequentemente, sobre os trabalhadores, com propostas que vão desde a criação de seguros-desemprego à subsídios para afastamentos temporários. Para a maior parte dos trabalhadores brasileiros, no entanto, a situação ainda não é clara, especialmente no que diz respeito à possibilidade de isolamento voluntário preventivo, trabalho remoto e capacidade de negociação com empregadores para garantir a manutenção dos salários diante da crise, que prevê, apenas no setor do comércio, perdas de R$ 100 bilhões até o mês de maio, de acordo com estimativas da Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL).

Há sete meses, Severino trabalha como motorista de aplicativo, e sustenta a família com o dinheiro das corridas. A preocupação é com a diminuição da procura

No início de fevereiro, o Governo Federal promulgou a lei 13.979/2020, que trata das medidas de enfrentamento da emergência no âmbito da saúde pública. A legislação trouxe algumas garantias em relação ao isolamento, quarentena, considerando falta justificada ao serviço público ou privado o período de ausência decorrente dessas medidas. A lei, entretanto, só teria aplicação de acordo com a decisão de cada empregador, ou por decisão de alguma das respectivas instâncias governamentais.

Para tentar orientar as relações de trabalho em meio à crise, o Ministério Público do Trabalho (MPT) emitiu uma nota técnica na última terça-feira (17), que traz uma série de diretrizes a serem observadas por trabalhadores e empregadores durante esse período.

As medidas consistem, principalmente, em garantir o isolamento do trabalhador infectado com apoio médico; Flexibilização da jornada de trabalho para evitar uso de transporte coletivo em horários de pico e adoção de medidas flexibilizadora na prestação de serviços de trabalhadores e trabalhadoras que sejam os únicos responsáveis por crianças, adolescentes, idosos ou pessoa com deficiência na família.

O órgão sugere, ainda, que as empresas optem por medidas como banco de horas, antecipação de férias ou licenças remuneradas, especialmente para os trabalhadores que se encontram em um dos grupos de risco de desenvolver quadro grave caso sejam contaminados pelo vírus. Nesse grupo, se enquadram idosos, gestantes, diabéticos, pessoas hipertensas, com deficiência e doenças renais ou respiratórias.

Além disso, a redução salarial não poderá ser feita em função das medidas de contingência adotadas seja pelas empresas, seja pelos órgãos públicos, de acordo com o MPT. A recomendação vai de encontro à medida adotada pelo Governo Federal na última quarta-feira (18), quando o Ministério da Economia anunciou que, a fim de tentar evitar o aumento do desemprego durante a crise, o Governo vai permitir que empresas e órgãos públicos cortem até metade do salário e da jornada de trabalho dos funcionários regidos pela Consolidação das Leis de Trabalho (CLT).

De acordo com a proposta, a empresa não poderá diminuir o valor pago por hora ao trabalhador, mas pode cortar a jornada de trabalho e o salário até a metade, contanto que esse valor não seja inferior ao salário mínimo. De acordo com o Ministério da Economia, as negociações sobre a redução serão feitas entre empregadores e patrões, o que alguns juristas enxergam como contraditório ao que está previsto na Constituição.

“Essa questão já é tratada pela constituição desde 1988, onde já se admite a redução de salário, mas só através de convenção coletiva, ou seja, com intermediação dos sindicatos, que foram tão esquecidos na reforma trabalhista, mas agora podem ter um papel decisivo na manutenção dos empregos de diversas categorias”, afirma o juiz do Trabalho Décio Carvalho Júnior, do TRT da 21ª Região.

Para o juiz, a tendência é que a medida do Governo seja levada para discussão no Supremo Tribunal Federal (STF), “a Constituição já expressa uma definição relativa ao acordo coletivo e, ainda mais nesse contexto, fica difícil colocar o empregado para fazer uma negociação individual com o empregador, porque a outra opção é o desemprego. Não é uma negociação, é uma imposição”, afirma o juiz.

No Rio Grande do Norte, diversas instituições, como a Assembleia Legislativa, a Câmara Municipal, o Tribunal de Justiça e o Tribunal de Contas do Estado adotaram o expediente remoto para grande parte dos funcionários, e centros comerciais como o Midway Mall e o Natal Shopping anunciaram o fechamento de suas lojas. Entretanto, para milhares de trabalhadores potiguares, com vínculos empregatícios formais ou não, as jornadas de trabalho seguem normalmente mesmo diante das recomendações oficiais.

De acordo com o juiz do trabalho, o principal desafio será garantir soluções equilibradas que olhem o lado do trabalhador, que está mais vulnerável nessa situação, e também das empresas, que terão um impacto significativo em suas receitas. “Essa é uma situação nova, ninguém que está vivo atualmente já passou por isso e ninguém sabe quanto tempo vamos enfrentar a estabilidade e quanto tempo as pessoas vão ficar em isolamento ou quarentena”, destaca.

Além disso, as demais medidas que estão sendo sugeridas, seja no âmbito governamental ou pelas próprias empresas, também precisam ser pensadas em alguns pontos, diz Décio Carvalho. “Questões como o fornecimento de equipamentos para que as pessoas trabalhem de suas casas e da própria saúde do trabalhador nesse outro ambiente em que ela está fora do olhar do empregador também são importantes e devem ser pensadas. É um momento onde muitas questões estão em aberto para os trabalhadores”, afirma.

“O trabalhador informal está entregue à própria sorte”
Se para os trabalhadores que têm as relações regidas pela CLT o momento ainda é de incertezas, para os trabalhadores informais, a situação é ainda mais grave. No Rio Grande do Norte, são 635 mil trabalhadores na informalidade, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Para a maioria, o isolamento voluntário não foi uma opção.

“Eles querem que a gente esteja em casa, com saúde e com dinheiro, mas a realidade é outra. Eu também queria estar agora em casa, com a minha neta, mas todo dia tenho que chegar e, antes que ela corra para me abraçar, digo para ela parar para poder tomar banho e trocar as roupas possivelmente infectadas”, conta o motorista de aplicativo Severino do Ramos, de 55 anos.

Há sete meses, Severino trabalha como motorista de aplicativo, e sustenta a família com a renda que tira das corridas diárias, que costumam começar às 5h30 da manhã. Na última sexta-feira (20), o motorista já sentiu os efeitos da redução da quantidade de pessoas circulando no bolso: enquanto em uma manhã costuma fazer 10 corridas, na sexta, foram apenas três solicitações. “A gente fica preocupado, porque não temos reserva de emergência. O que eu ganho é pra mesa, pra casa. O que a gente faz é seguir todas as recomendações de saúde que nos passam e entregamos a Deus”, diz.

Uma das principais empresas de transporte por aplicativo, a Uber, anunciou que motoristas e entregadores diagnosticados ou que tiverem quarentena solicitada por autoridades de saúde vão receber assistência financeira por um período de até 14 dias. Outras empresas, como Ifood e Rappi, anunciaram medidas como a possibilidade de entrega sem contato físico para não expor tanto os entregadores. As medidas, no entanto, não preveem a possibilidade de isolamento preventivo.

De acordo com o juiz Décio Carvalho Júnior, a situação desses e de outros trabalhadores que não possuem vínculo empregatício formal é de abandono. “Esse trabalhador fica sem proteção, entregue à sua própria sorte.”, diz. “É um pessoal que arrecada dinheiro com seu trabalho para sua subsistência dia a dia. Talvez esse seja um momento para a sociedade repensar a necessidade de que essas pessoas tenham uma proteção social”, completa.

O quê
Entenda as propostas do Governo para evitar demissões durante a crise do Coronavírus

Redução da jornada de trabalho e flexibilização
O Governo Federal propõe permitir a redução da jornada de trabalho até a metade, com um corte de salário na mesma proporção, porém sem redução no valor pago por hora trabalhada. A remuneração não poderá ficar abaixo do salário mínimo, sendo esse o menor valor possível a ser pago pelos empregadores. Para esses casos, a redução seria definida através de um acordo individual, entre o patrão e o empregado, o que é questionado por membros da Justiça do Trabalho e Ministério Público do Trabalho.

Férias
O Governo pretende simplificar o processo de concessão de férias individuais ou coletivas aos empregados, e permite que a solicitação seja feita em um prazo de 48 horas, e poderão ser concedidas mesmo que o trabalhador não tenha atingido o prazo necessário para ter direito à férias. Algumas empresas já estão optando por isso, como é o caso da Guararapes, no Rio Grande do Norte.

Banco de horas
A medida permite que o trabalhador fique em casa recebendo salário e benefícios. O período de ausência seria registrado no banco de horas para ser compensado posteriormente, em jornadas mais longas, de até 10h.

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