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Trabalhamos de todas as formas para reverter o bloqueio, diz reitora da UFRN

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O período de oito anos de Ângela Maria Paiva Cruz no cargo de reitora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), iniciado em 2011, foi marcado por uma expansão do ensino, que rendeu à UFRN mais de 50 cursos novos de graduação, mestrado e doutorado, e uma adaptação aos arrochos fiscais feitos a partir de 2015. Depois de oito anos e duas eleições, Ângela deixa o cargo no dia 24 de maio para a posse de José Daniel Diniz Melo diante de um cenário de paralisação das atividades pelo bloqueio no orçamento, segundo ela mesmo anunciou no último dia 6. Durante meia hora, Ângela conversou com a reportagem sobre o período de expansão que viveu, a adaptação aos arrochos fiscais e o cenário da universidade com o novo bloqueio. Também criticou o decreto que dá o direito à Secretaria de Governo avaliar a nomeação de reitores e postos de segundo e terceiro escalão das universidades – escolhidos atualmente por eleições com a comunidade acadêmica. “Isso fere radicalmente a autonomia universitária, previsto no artigo 207 da Constituição Federal de 1988”, afirmou. Abaixo, leia os principais trechos da entrevista:

Angela Paiva, reitora da UFRN
Angela Paiva, reitora da UFRN

O decreto que altera o modo de escolha dos cargos nas universidades federais é criticado por entidades. Como a senhora se posiciona em relação a esse fato?
Fere radicalmente a autonomia universitária. O artigo 207 [da Constituição Federal] prevê a autonomia acadêmica, administrativa, de gestão e nomeação de pessoas. O decreto tira a autonomia da gestão. As pessoas, inclusive os diretores de centro e pró-reitores, vão passar por outros crivos. Isso pode, no mínimo, atrasar os processos. Aqui no nosso domínio, o reitor toma posse, transmite-se o cargo em seguida e ele nomeia a equipe para começar a gestão em um dia só, com todos os pró-reitores e secretários juntos. Isso é para começar o trabalho de quatro anos com grande responsabilidade o mais rápido possível. Depender de instâncias superiores é muito danoso e prejudica tanto academicamente quanto administrativamente a autonomia universitária.

O efeito colateral é somente na parte burocrática, de demorar mais? Academicamente, como afeta?
Já vai uma lista tríplice do reitor para a Presidência da República. Se não há escolha do primeiro dessa lista, que foi o mais votado, isso já causa um transtorno porque não foi respeitada a vontade da maioria da academia. É uma decisão democrática que não foi respeitada. Então, nós estamos com uma perspectiva de, da mesma maneira que pode ocorrer com os reitores na lista tríplice, não ter segurança que o primeiro da lista vai ser nomeado.

Acredita que é para evitar posicionamentos políticos contrários, já que houve uma grande mobilização que partiu das universidades no último dia 15, contra o bloqueio de verbas?

Eu não sei se essa medida já não estava pronta, antes mesmo dessas manifestações. Isso não foi uma coisa lançada exatamente por causa das manifestações. É uma forma de concepção de gestão universitária do governo.

A senhora já falou que o contingenciamento recente das verbas discricionárias da UFRN vão prejudicar o funcionamento este ano. Mas isso está definido? Como a UFRN se prepara para tentar contornar a situação e não parar as atividades?

Nós temos R$ 60 milhões bloqueados. R$ 48 milhões para o custeio e R$ 12 milhões para obras e equipamentos. Evidentemente, nós trabalhamos com todas as formas, incluindo a bancada federal, Governo do Estado, sociedade e as famílias, para esse bloqueio ser revertido. De fato, nós poderemos estar parando por não ter como dar viabilidade ao ano letivo e administrativo. A universidade não é só acadêmica, também tem a parte administrativa. Estamos nessa transição de gestão fazendo estudos com pró-reitorias para ver se há alguma viabilidade de corte ainda.

A UFRN vinha sofrendo com um contingenciamento há algum tempo…
Desde 2016 e 2017, quando o orçamento começou a cair depois da crise econômica do País, e de alguns contingenciamentos anteriores, nós fomos obrigados a fazer o planejamento com muitos cortes. Para não prejudicar a qualidade acadêmica, nós cortamos nos contratos. O número de terceirizados, principalmente em 2017 e com impactos em 2018, foi bastante cortado. Cerca de 20% e em alguns setores até mais. Estamos fazendo estudos para ver se ainda há na terceirização algum local que a gente possa diminuir. Eu quero esclarecer que não é isso que queremos fazer, mas se realmente se consolida a fala do ministro de que não há como desbloquear o orçamento e vai tratar os casos com os reitores, a gente precisa fazer um planejamento para ver se tem uma viabilidade das ações acadêmicas e administrativas continuarem até o final do ano. Não vai ser tarefa fácil porque os anos anteriores já foram bastante rígidos por contingenciamentos anteriores.

Então, a diferença entre os cortes anteriores e os deste ano é principalmente por que o orçamento já está muito apertado?
Também, mas o contingenciamento é diferente agora. Nós temos 20% contingenciado desde o início do ano, mas agora tivemos bloqueio. Quando o orçamento está apenas contingenciado, nós continuamos vendo nos sistemas o crédito disponível aprovado pela lei orçamentária. No instrumento de bloqueio, o crédito não fica disponível, mesmo aprovado pela lei. De modo que é um risco e não é recomendável, por exemplo, abrir licitações com base no orçamento aprovado. Existe essa diferença. A outra questão é que se torna mais grave desse ano por conta do acúmulo de apertos que a gente teve. Temos na emenda constitucional que o orçamento só pode subir acima da inflação, e a universidade cresceu nesses últimos 4 anos com mais de 30 obras espalhadas nos cinco campi da universidade. Isso representa mais gente, mais energia, mais ‘tudo’ nos contratos, enquanto o orçamento só corrigiu a inflação.

Esses são os efeitos mais imediatos dos cortes. Quais são os efeitos a longo prazo?
A gente está falando de impactos na área acadêmica para parar centenas de projetos de pesquisa, ensino, extensão, inovação e empreendedorismo. A gente tem também impacto do ponto de vista econômico-social do Rio Grande do Norte. Temos muito fornecedores de insumos, prestadores de serviços que não necessariamente trabalham aqui, mas estão em empresas prestando serviço para nós. Indiretamente, ajudam a universidade a funcionar. E do ponto de vista da pesquisa, vamos ter laboratório paralisado por falta de insumo, por falta de pessoas que propicie a organização e a limpeza, a falta do motorista para levar alunos em projetos de extensão, pesquisa e ensino. É o caso da escola multicampi. Na escola multicampi, todos os dias de manhã os alunos entram num ônibus e vão para as unidades básicas de saúde fazer os seus trabalhos e depois discutir as questões que entraram lá. Essa perspectiva está inviabilizada. Isso pode atrasar trabalhos de graduação, pesquisas, mestrados e doutorados.

E em relação às pesquisas, que tiveram um bloqueio partido da Capes?
Não é apenas a questão do bloqueio que está acontecendo. A Capes, que é outra unidade do MEC, também está suprimindo algumas bolsas. Isso pode levar realmente a um retardamento das pesquisas. O impacto disso não se corrige como parar uma parede e construir o restante depois. Existe um atraso real em meses, anos, para a pesquisa ser retomada e o produto final, a construção de conhecimento, se dar.

Acredita que pode haver uma evasão do capital intelectual para os países vizinhos?
Com certeza existe esse risco. As bolsas do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) foram anunciadas, ainda no início do ano, com um contingenciamento de 42% no Ministério da Ciência e Tecnologia. Isso afeta organismos que financiam a ciência e a inovação do país. O presidente do CNPq dizia ainda no início do ano que só tinha orçamento para pagar bolsas até setembro. É uma soma de fatores que pode realmente afastar e parar pesquisas aqui. Brasileiros ou estrangeiros que poderiam estar fazendo pesquisas, pós-graduação e estágios pós-doutores no Brasil vão migrar para outros países. Podemos ter um retorno àquela fuga de cérebros que aconteceu em anos anteriores.

O que mudou no cenário das universidades do momento que a senhora chegou à reitoria, em 2011, até hoje?
Nós tivemos nesses oito anos um avanço bastante significativo nas políticas de interiorização, na inclusão social, pesquisa e inovação. Foi um avanço significativo na qualidade acadêmica e expansão da estrutura. Criamos mais de 50 cursos de mestrados e doutorados, aprovados nesses oito anos. Entre esses mestrados, 14 são profissionais – aqueles que dão resposta a demandas do setor produtivo. Tivemos também 12 novos cursos, inclusive no interior com cursos de medicina, psicologia. Foram mais de 89 obras entregues. Foi um crescimento bastante significativo da estrutura para dar conta dos novos cursos. No interior, conseguimos construir residências universitárias, bibliotecas e restaurantes universitários. Crescemos mais em qualidade e tamanho do que a média nacional. Pensando no interior, trabalhamos para que o jovem do interior não precise migrar para Natal para fazer um curso.

E o crescimento relacionado às inovações tecnológicas?

Em relação à pesquisa e inovação tecnológica, quase dobramos o número de projetos de pesquisa e extensão. Um exemplo desse crescimento das inovações tecnológicas é que no início da gestão tínhamos 24 pedidos de patentes e nenhuma carta patente, hoje nós temos 15 cartas patentes e mais de 200 pedidos de registros de patentes. Existe muita gente preocupada com a inovação tecnológica. Evoluímos com apoio das incubadoras. São mais de cinco incubadoras hoje, pensando na área de negócios e empresas. Como resultado disso, já temos o primeiro o primeiro Parque Tecnológico do estado, que é o Metrópole Digital. Na internacionalização, também avançamos bastante, principalmente com o Instituto Ágora.

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