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Transgressões na terra de Fidel

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RODANDO - Guaraci dentro do

Quem diria que um potiguar seria responsável no início do século 21 pelo “fim” do bloqueio econômico imposto a Cuba pelos Estados Unidos desde 1964? Pois o artista plástico Guaraci Gabriel provou que a arte continua sendo a melhor ferramenta contra a opressão. Seja ela em forma de bloqueio externo ou sob o disfarce da ditadura, como o modelo outorgado ao povo cubano pelo regime de Fidel Castro.

A “revolução” foi apresentada em praça pública pelo artista potiguar mês passado durante a 9a Bienal de Cultura de Havana. Guaraci transformou um ônibus velho usado como transporte coletivo pelas camadas mais pobres de Cuba no objeto de desejo da população local.

Usando a técnica da colagem de radiografias na lataria da sucata, ele projetou bens de consumo impossíveis de serem vistos hoje na ilha de Fidel.

Quem observa o trabalho do lado de fora do ônibus fica com a sensação de que os passageiros ignoraram o bloqueio norte-americano. “Coloquei celulares, a estatueta do Oscar, coisas que não podem ser consumidas pelo povo tanto pelo bloqueio externo como pelo regime do governo. A idéia nasceu em 2004 quando fui a Cuba participar da bienal. Esse ônibus é usado pelos pobres e a passagem custa bem mais barato. Em reais, o equivalente a 20 centavos. Mas só anda cheio e apertado num percurso de 100 quilômetros por dia. O pessoal dizia que os passageiros fazem sexo e usam drogas lá dentro. E quando entrei num deles, a idéia me veio e escrevi o projeto quando voltei ao Brasil”, explica.   

Liberação do ônibus teve intervenção do ministro

Ainda que o projeto tenha sido aprovado pela organização do evento, Guaraci teve dificuldades para colocar o projeto na rua. Até o ministro da Cultura de Cuba foi acionado e tentou demovê-lo da idéia. “A bienal já tinha começado e nada de me darem o ônibus para trabalhar. Falei com o pessoal da direção e me mandavam voltar no dia seguinte. Então me disseram que o ministro queria falar comigo e fiquei surpreso, não esperava. Ele me disse que a frota do camelo era reduzida a cinco veículos e perguntou se eu não queria fazer com outro tipo de ônibus. O problema é que eu já havia tomado as medidas e teria que refazer tudo de novo. Disse ao ministro que eu podia esperar mais uns dias até que me dessem um outro ônibus. E depois de cinco dias apareceu”, conta.    

No dia da colagem, Guaraci descobriu que os empecilhos tinham uma razão simples de ser: o governo era contra o projeto.

Um batalhão de repórteres da imprensa local já o aguardava na garagem dos ônibus para registrar o momento. Outro ponto que o deixou intrigado foi a quantidade de veículos estacionados no espaço. “Ali, vi que o governo cubano não queria que eu fizesse o projeto. Só naquela garagem tinha 30 ônibus. Bem diferente dos cinco ditos pelo ministro. A imprensa me deixou intimidado. Me senti acuado pelo tanto de gente que tinha. Até porque era a primeira vez que eu trabalhava com colagem, mas deu tudo certo. O combinado era o camelo rodar por um mês, mas pediram para deixar até o final do ano”, disse.

A viagem a Cuba durou mais do que Guaraci previra. Os custos das passagens foram divididos pela Prefeitura do Natal e o Governo do Estado. Parte do material usado foi patrocinado pela empresa mossoroense J. Patrício.

Sobre a visão da ilha bloqueada, ele afirma que chegou a se surpreender com a realidade. Principalmente em relação a uma das propagandas do governo: a educação. “Peguei um táxi e o motorista não sabia ler o endereço para onde a gente ia. Vi muita pobreza. Outra coisa curiosa é que o país não tolera homossexuais, mas existem muitos em Cuba. A polícia passa recolhendo o pessoal e leva todo mundo para um terreno, aí manda embora. O interessante é que os gays acabam se reunindo nos pontos de ônibus e a polícia não pode fazer nada porque dizem que estão esperando o transporte para ir embora”, conta.   

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