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Transposição já é realidade no semi-árido nordestino

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NOVA OPOSIÇÃO - Índios Trukâs (foto), que vivem da pesca, fazem oposição ao projeto de transposição

Entre a apresentação do projeto ao então presidente Itamar Franco, em agosto de 1994, até a montagem do barracão de obras, no final de maio deste ano, foram 153 meses e 15 dias, mas a transposição de águas do rio São Francisco, proposta desengavetada pelo ex-ministro Aluízio Alves, finalmente está saindo do papel. E vai começar pelo eixo norte, àquele que trará água para perenizar os rios Apodi/Mossoró e  Piranhas/Açu.

A proposta de levar água do São Francisco para as áreas mais secas do Nordeste nasceu na segunda metade do século 19, mas foi se perdendo e sendo recuperada no tempo, especialmente após períodos de seca intensa. Os gastos com o atendimento à população atingida pela falta de água em anos de estiagem, na última década do século 20 já seriam suficientes para bancar as obras da transposição, dizem os defensores do projeto. Os opositores acham que existem outras alternativas mais baratas, de eficiência comprovada e socialmente mais abrangente. 

A obra será conduzida pelo Batalhão de Engenharia, que chegou com homens e máquinas a Cabrobó, palco de uma greve de fome do bispo de Barra (BA), Dom Luís Cappio. Cabrobó está dividida entre os que apóiam e os que são contra a proposta, conforme relata os repórteres da TRIBUNA DO NORTE, Wagner Lopes e Júnior Santos, enviados ao sertão pernambucano na última quarta-feira.

A construção de barragens, canais e estações elevatórias vai durar oito anos. São mais de 1000 quilômetros de distância entre o ponto de captação e a chegada da água aos principais reservatórios do RN.

Para o engenheiro Rômulo Macedo, um dos técnicos que trabalharam no projeto em 1994, a transposição dará segurança hídrica a parte do semi-árido nordestino e trará mais eficiência para o manejo de água dos grandes reservatórios. O dinheiro para as obras está previsto no Plano de Aceleração do Crescimento (PAC). Com a transposição, a água do São Francisco vai chegar a mais 12 milhões de brasileiros.

Começam as obras da transposição

Grande parte dos potiguares, cearenses e paraibanos sequer conhece a localização desse município do sertão de Pernambuco. Porém, para 12 milhões de pessoas desses quatro Estados, foi nessa cidade, às 9h10 da última quinta-feira, que um fato histórico aconteceu. Quando um trator do 2º Batalhão de Engenharia de Combate passou a limpar o mato às margens do rio São Francisco, começou a se tornar realidade um sonho de quase dois séculos: levar a água do “Velho Chico”, como também é conhecido o manancial, a todo o sertão nordestino, reduzindo os efeitos de um dos maiores problemas enfrentados por quem mora na região, a seca.

 Sairá de Cabrobó a água da transposição que vai beneficiar o Rio Grande do Norte. O cronograma prevê que isso ocorra somente daqui a cerca de sete anos, quando os canais do Eixo Norte chegarem aos rios Apodi e Piranhas-Açú. Porém, o simples início dos trabalhos já representa um marco, quando se trata de um projeto que, desde o século 19, é pensado e estudado, mas nunca havia saído do papel. Agora, o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), do Governo Federal, prevê R$ 5,2 bilhões para a obra, o maior valor dentre todas incluídas nesse planejamento.

Na cidade de Cabrobó, muitos reconhecem a importância desse fato: “Quando um negócio também beneficia os outros é uma felicidade. Tanta fartura de água não é só para a gente”, afirma o vigilante Antonio Arnaldo Fonseca. Porém, há aqueles que não acreditam na viabilidade do projeto. “Seria bom, mas não vai ser feita. Não acredito que essa obra saia do papel nunca”, aponta o funcionário público Gumercindo Rocha.

Apesar dessa descrença, o fato é que o canal de ligação do São Francisco à futura barragem de Tucutu, de onde a água seguirá para o restante do Nordeste, já começou a ser escavado e o apoio da União à obra é claro: “Queremos chegar ao final do governo Lula com o Eixo Norte em uma condição de absoluta irreversibilidade”, afirmou o ministro da Integração, Geddel Vieira Lima, que esteve na cidade na última sexta-feira, visitando o ponto de captação.

Se o projeto é irreversível, somente o tempo dirá, mas seu início já garante, pelo menos, um pouco mais de esperança a quem torce pela transposição: “Para o Rio Grande do Norte, esta obra tem uma importância vital, mais até do que para os demais, já que será o único estado em que teremos duas bacias beneficiadas, as dos rios Piranhas-Açú e Apodi. Temos uma grande satisfação em presenciar o início desses trabalhos”, aponta o diretor geral do Dnocs, o potiguar Elias Fernandes.

Obras iniciais terão duração de 15 meses

À altura do Km 26 da BR-428, a 15 quilômetros de Cabrobó, funcionava o posto de combustíveis Imperatriz. Em sua placa de propaganda havia um atrativo: “Polícia Militar 24h”. Hoje, quem ocupa o local as 24 horas do dia é o 2º Batalhão de Engenharia de Construção, de Teresina, no Piauí, responsável pelas primeiras obras de construção do Eixo Norte da transposição.

Os primeiros homens desse batalhão chegaram com alguns poucos equipamentos no dia 31 de maio, data que promete entrar para a história, se o projeto de transposição do São Francisco for bem sucedido. Para o comandante, coronel Marcos José Pupin, esse pode se tornar um marco: “É um projeto pensado desde Dom Pedro II e até antes dele, mas as soluções que temos hoje, de engenharia, eles não tinham à época.”

Mesmo nascido em São Paulo, Pupin diz reconhecer a importância da transposição. “Vivemos em um estado democrático e todos têm o direito de discordar, mas vi o projeto e percebo que ele tem coisas boas. Não tem transposição do rio, é captação só de uma parte. Para se ter uma idéia, o rio aqui tem uma vazão de cerca de 1.800 metros cúbicos por segundo e, nesse ponto, serão captados só 17 m3, enquanto em Floresta, serão apenas 9 m3. E o projeto é água para consumo humano”, enfatiza.

Ele acredita, inclusive, que o investimento na revitalização do São Francisco permitirá ampliar a disponibilidade de água de modo a superar o volume captado pelo projeto. “Podemos ter aí um zero a zero”, simplifica. Ao todo, 50 homens se encontram no local, e pertencem agora ao destacamento que leva o nome do antigo entusiasta da obra: Dom Pedro II. A missão deles será construir a barragem de Tucutu, o ponto de captação de águas e dois dos oito quilômetros do “canal de aproximação” entre o rio e a barragem.

O cronograma de trabalho é de 15 meses e o efetivo pode chegar a 200 homens no auge da obra. O Exército aguarda agora a autorização para começar a desmatar a área do canal e da barragem, mas as primeiras escavações já se iniciaram ás margens do São Francico. “A autorização vai ser por etapas. Agora, uma de nossas preocupações será utilizar o volume de terra tirado do canal na construção da barragem (que terá 22 m de profundidade, por 1.800 de extensão), minimizando o impacto ambiental.”

Cabrobó foi palco de protesto

Há dois anos, o município de Cabrobó foi palco daquele que até hoje é o mais conhecido protesto contra a transposição do rio São Francisco: a greve de fome de mais de 10 dias do bispo do município de Barra, na Bahia, Frei Luís Cappio. A posição dos padres da cidade, porém, é bem menos radical. Eles defendem a realização da obra, sob uma condição, a de que venha a beneficiar todos os habitantes dos trechos atingidos pelo investimento, principalmente os mais carentes.

“Deve ser feito, sim, mas não para servir só a uma classe mais privilegiada”, aponta o padre Ceslau Brosgechi. Há 21 anos em Cabrobó, ele considera que seria ótimo poder repartir com todo o Nordeste uma benção divina dada à região: o São Francisco. “Tem tanta gente precisando, enquanto tanta água se vai e é despejada no oceano.”

Com pouco mais de um ano de Cabrobó, o padre Evando Bezerra pensa da mesma forma. “É preciso saber a quem vai beneficiar essa água. É preciso olhar os pobres.” Ele defende ainda um trabalho de ajuda dos governos aos produtores da região, paralelamente às obras. “No último ano, muito se produziu, mas não houve a compra dessa produção e isso prejudicou a todos, muitos estão com grandes dívidas junto aos bancos e muita cebola se perdeu na margem das estradas”, ressalta.

Uma das principais preocupações dos padres de Cabrobó diz respeito à forma como a região vem sendo anunciada ao restante do Brasil. Embora crimes, como os assaltos nas estradas, sejam uma realidade, a imagem de “polígono da maconha” é considerada superestimada pelos religiosos, sob culpa inclusive da própria imprensa televisiva.

Enquanto Evando teve conhecimento de três mortes no último ano, quando chegou à região em 1986, o padre Ceslau conviveu com uma freqüência bem maior de crimes. “Toda semana, às vezes duas vezes na semana, a empregada que trabalhava aqui me dizia: ‘Já acharam outro corpo’. Antes de vir, eu dizia que aceitava ir para qualquer lugar, menos aqui”, relembra Ceslau.

Comunidade indígena teme alagamento de terras

O principal ponto de oposição às obras, no município de Cabrobó, é a ilha de Assunção. Nessa área vivem os índios trukás. Muitos temem que a transposição venha a alagar parte de suas terras, ou mesmo dificultar a pesca e a agricultura. “Não negociamos a nossa posição, somos contra esse projeto. Já perdemos muitos peixes e podemos perder ainda mais”, afirma o líder Chico Truká.

O discurso é repetido pelos demais moradores da ilha: “Tô mesmo com medo. Aqui é barriga cheia, esse rio é ótimo, mas agora como é que vai ficar depois disso tudo?”, questiona Margarida Pedro Santana. Assim como ela, Pedro Bertolino de Santana critica a obra. “Vão tirar água, e aí só pode prejudicar a pesca”, aponta.

O mesmo temor é compartilhado por Luís Manoel de Oliveira, que apesar de não ser descendente dos índios, há 14 anos mora em Assunção. “Pode ser que derrame a água aqui e além de tomar o lugar das plantações, acaba que vai atrapalhar a pesca, que já não está muito boa”, lamenta. Apesar das preocupações, os índios receberam uma boa notícia na sexta-feira. O ministro Geddel Vieira Lima assinou convênios que prevêem a construção de casas, postos de saúde e, além de compra de equipamentos e investimentos para desapropriação e remarcação de terras. Também fazem parte desses convênios comunidades quilombolas e indígenas ao longo do São Francisco, como os Kambiwá, Pipipã e Tumbalalá, estes também contrários ao projeto de transposição.

Dnocs fará ramais para abastecimento

Diretor-geral do Departamento Nacional de Obras Contra a Seca (Dnocs), o potiguar Elias Fernandes aponta a importância do órgão na transposição . “Participamos do levantamento de todas as indenizações ao longo do canal e também seremos responsáveis pela construção de abastecimentos simplificados em todas as comunidades em um trecho de até 10 km à direita e à esquerda do canal. Todas comunidades, vilas e povoados dessa área receberão água tratada e também um ponto verde para a agricultura”, disse.

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