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Tratamento para doentes renais está comprometido por falta de repasses

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Yuno Silva
Repórter

Portadora de insuficiência renal crônica há quase três anos, Jucielda Araújo dos Santos de 30 anos, moradora de Barcelona, cidade a 90km de distância de Natal, pode ficar sem tratamento por falta de repasses da Secretaria Estadual de Saúde Pública – Sesap, para a empresa que fornece a solução medicamentosa utilizada na diálise peritoneal. Diferente da hemodiálise, que filtra o sangue com ajuda de uma máquina e é considerada mais agressiva e com mais efeitos colaterais, a diálise peritoneal utiliza fluidos na área do abdômen e, através do peritônio (membrana), consegue absorver os resíduos e toxinas que deixaram de ser processados pelos rins. O custo mensal do tratamento que permite que Jucielda aguarde um transplante de rins é de R$ 2.700,87.

“Não posso me submeter à hemodiálise, nem se eu quisesse: tenho uma veia muito fina para a espessura da agulha utilizada, então essa é minha única opção”, disse Jucielda dos Santos em entrevista à TRIBUNA DO NORTE por telefone. Ela está concluindo a bateria de exames para se preparar para o transplante.  
Repasses estão atrasados há 23 meses
O receio dela é a possibilidade da Fresenius, empresa de origem alemã, interromper o fornecimento do material necessário para o tratamento: 360 litros/mês da solução mais o comodato de uma máquina que controla os ciclos e os volumes de infusão e drenagem enquanto a paciente dorme. O débito da Sesap com a Fresenius está acumulado em R$ 722.834,02 desde dezembro de 2014. Os recursos para custeio desse procedimento são repassados pelo Ministério da Saúde, mas por questões burocráticas deixaram de ser creditados na conta da clínica prestadora de serviço – que por sua vez é responsável pelo pagamento do fornecedor.

“A diálise peritoneal é um tratamento mais natural, mais lento e tranquilo para o paciente, o organismo é estimulado a fazer as trocas (filtragem). Pode ser feito em casa e não traz grandes alterações na rotina diária”, explicou a enfermeira Íris Brito, gerente de enfermagem e responsável técnica da Nefron Clínica, e que atende Jucielda.

A Nefron Clínica chegou a ter 40 pacientes atendidos por esse tratamento, mas há dois anos não cadastra ninguém por restrições de recursos.

Há pouco mais de uma década, esse tipo de tratamento era mais indicado para crianças, idosos, cardiopatas graves e deficientes físicos, hoje é uma escolha terapêutica indicada para qualquer pessoa – sobretudo para quem mora longe de clínicas especializadas, caso de Jucielda.

Atualmente, 210 pessoas estão em tratamento por insuficiência renal crônica no Rio Grande do Norte, número 40% menor que o registrado em 2013, de 350. Desse total, apenas sete se submetem ao tratamento de diálise peritoneal (em 2015 eram, 18 pacientes).

“Quem tem Hipertensão, Diabetes e Lúpus, além da propensão genética, são os mais afetados por problemas nos rins”, alertou Íris Brito. A enfermeira sugere uma dieta mais saudável com menos açúcar, menos sal e mais líquidos.

Risco

“Há uma demanda reprimida que não está sendo contabilizada, então tem alguma coisa acontecendo: tem gente morrendo por falta de acesso”, considerou Gilson Nascimento, presidente da  Abrasrenal – Aliança Brasileira de Apoio à Saúde Renal. Recentemente, Nascimento visitou o RN, conheceu Jocielda, esteva na Sesap, onde ouviu que a situação seria regularizada.

“Insisti com a Fresenius para que garantisse o fornecimento, uma vez que foi aberto um canal de negociação e que as coisas seriam normalizadas. Estamos falando de pessoas com risco de morte, e não descartamos a possibilidade de entrar com representação no Ministério Público e responsabilizar criminalmente a Sesap caso a situação não seja resolvida”, adiantou Gilson com exclusividade à TN.

O presidente da Abrasrenal informou que no Brasil há 110 mil pacientes em tratamento renal, destes, cerca de 5 mil se submetem à diálise peritoneal. Porém, de acordo com ele, esse número deveria ser de 160 mil. “É a falta de acesso. Quando um paciente mais humilde precisa deixar o trabalho e viajar longas distâncias para passar 4 horas preso a uma máquina de hemodiálise, acaba desistindo. Já insistimos com o Ministério da Saúde sobre os benefícios desse tratamento alternativo, falam que vão incentivar, mas não fazem nada. Esse tipo de terapia está morrendo no Brasil, enquanto cresce em outras partes do mundo”, critica.

A média mundial do tratamento renal por diálise peritoneal chega a 12%. Na Alemanha esse índice é de 15%, na China 18%, no México 40% e no Brasil 6%. Considerando a distribuição espacial dos pacientes renais crônicos no RN, esse tipo de diálise deveria ser utilizado em 30% dos tratamentos.

Situação insustentável

No Brasil, duas empresas fornecem a solução dialisada e a máquina cicladora para utilização de pacientes renais crônicos impossibilitados e/ou que optaram pela diálise peritoneal: a Baxter, com sede nos Estados Unidos; e a Fresenius, de origem alemã. Há 20 anos com fábrica instalada em São Paulo, a Fresenius mantém convênio com clínicas do RN há pelo menos uma década. Além de fornecer os materiais, também capacita profissionais de saúde e pacientes – para que eles possam realizar os procedimentos com segurança em domicílio.

“Não temos mais condições de sustentar a situação, são quase dois anos sem receber. Sabemos de nossa responsabilidade, e se tivéssemos a mesma postura do Governo [do RN] a paciente já teria morrido. O que fizemos foi bloquear a entrada de novos pacientes”, disse Eliana Batista, gerente financeiro da Fresenius Medical Care do Brasil.

Ela afirma que esse tipo de tratamento está crescendo no restante do mundo por ser menos agressiva para a saúde e por manter o cotidiano do paciente, mas que o País está na contramão dessa tendência. “Desde 2003 o Ministério da Saúde não reajusta o custeio desse tratamento. Em 14 anos conseguimos negociar um aumento de apenas 6%. O Brasil paga a metade de outros países como a Argentina, por exemplo”, destacou Eliana.

A Secretaria Estadual de Saúde Pública, por meio da chefia de gabinete, informou que há três meses trabalha para viabilizar os pagamentos. De 2014 para cá, o Ministério da Saúde mudou a forma de efetuar os repasses, que se tornaram mais direcionados. Antes, os recursos vinham em um montante único, e a Sesap se encarregava de distribuir – agora a verba está vindo direcionada, e o contrato da Fresenius com as clínicas credenciadas pelo Estado estava formatado da maneira antiga.

A chefe de gabinete da Sesap, Romy Christine da Costa, adiantou que os processos que estavam parados “voltaram a tramitar”. 

Números

7 pacientes com insuficiência renal crônica, dos 210 em tratamento no RN, utilizam a diálise peritoneal. Esse número já foi de 40 pacientes
23 meses é o período de atraso dos repasses
R$ 722.834,02 é o total da dívida acumulada com o fornecedor
R$ 2.700,87 é o custo mensal do tratamento da diálise peritoneal automatizada

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