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Travessias da Arte

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Tadzio França
Repórter

Recomeçar a vida em outro país costuma ser uma experiência intensa de ruptura para a maioria das pessoas. E aqueles que vivem de arte e se estabeleceram no exterior como artistas em tempo integral, possuem trajetórias ainda mais peculiares. Dois potiguares de renome nas artes plásticas internacionais viveram – e ainda vivem – esse momento: Jayr Peny, em Portugal, e Mocó, nos Estados Unidos. A bagagem de cada um traz histórias que, mesmo distantes, possuem muitas pinceladas em comum.

Há dez anos na Califórnia, Rasmussen Sá Ximenes, o Mocó, levou seu naif pra a arte contemporânea
Há dez anos na Califórnia, Rasmussen Sá Ximenes, o Mocó, levou seu naif pra a arte contemporânea

Luso sem sotaque
O natalense Jayr Peny vive há 22 anos em Portugal. Reside atualmente em Lisboa, onde produz suas telas, mantém um atelier, e cuida da fiel lista de clientes, formada em duas décadas de intenso trabalho no mercado europeu. Em Natal para cuidar de sua nova exposição individual, “Os multiversos de Jayr Peny”, a ser aberta no dia 20 de dezembro, na Galeria Toque de Mídias, ele relembra momentos diversos de sua vida em território estrangeiro.

O artista afirma que não tinha a menor pretensão ou vontade de deixar o Brasil. “Meu estabelecimento em Portugal foi inusitado, quase pelo acaso”, diz. Ele conta que em 1990 um galerista português de Aveiro veio a Natal para montar uma exposição coletiva com artistas locais. Jayr foi um dos participantes, entre nomes como Fernando Gurgel, Cristina Jácome e João Natal. No entanto, foi no Rio de Janeiro que ele passou três anos e meio, sob os cuidados de um casal de marchands que negociava suas obras.

Penny vive há duas décadas em Portugal e mantém a fala de origem: nunca absorvi o sotaque lusitano
Penny vive há duas décadas em Portugal e mantém a fala de origem: nunca absorvi o sotaque lusitano

“O dinheiro era bom, a vida era confortável, mas como artista eu estava insatisfeito. Minha arte não saía do lugar, não chegava ao povo. Desfiz a sociedade com os marchands cariocas e decidi recomeçar por conta própria. Olhei minha agenda e vi aquele galerista português de 1990. Telefonei, e ele fez questão de que eu fosse pra lá. Minhas obras já vendiam bem. Arrumei as malas e fui embora”, conta, sobre o início de sua trajetória lusitana.

A recepção do mercado português ao natalense foi a melhor possível. “Foi comercialmente incrível, e eu considero minha arte bastante comercial. É palatável ao gosto português, sem deixar de ter a cara brasileira”, afirma ele, que segue um estilo geométrico figurativista. Hoje sua obra está em museus, coleções particulares e públicas espalhadas entre Brasil, Portugal, Alemanha, Austrália, Inglaterra, França, Itália e EUA.

Jayr considera que a morada em Portugal exerceu novos efeitos sobre seu trabalho. “A maior foi ter conhecido a obra do ícone português Almada Negreiros. Absorvi muito de seu estilo, e isso contribuiu para minha evolução. Apesar de já ter meu eixo artístico, pude incorporar novos elementos”, diz, citando Portinari e Di Cavalcanti entre suas influências.

O artista natalense considera que teve sorte ao começar sua carreira portuguesa no norte do país. “O nortenho tem uma visão mais cosmopolita, ele não liga para sua origem. Já o povo do sul é mais complicado. Há galerias que não se abrem mesmo para estrangeiros”, diz. Mesmo assim, ele enfatiza que nunca houve um “pré” conceito sobre sua obra apenas por ele ser brasileiro. “Sempre me consideraram um ‘gajo porreiro’, não posso reclamar. Foi assim que fiz minha clientela”, afirma.

Atualmente Jayr se movimenta no amplo mercado de Lisboa, que conta com cerca de 600 galerias de arte. “O problema é o lobby que a associação de galeristas fazem sobre determinados artistas”, diz ele, que também se diz insatisfeito com as tendências em voga atualmente no mercado. “Há uma releitura da arte bruta, que é de um pós-modernidade tardia e sem novidades reais. Tudo isso já foi feito nos anos 60, não gosto”, diz ele, que tem contrato com seis galerias da cidade. Segundo o pintor, sua clientela habitual não é frequentadora de galerias. “Acho isso uma pena, mas é resultado dessa encruzilhada no qual o mercado europeu se meteu. O mercado atual é uma incógnita”, afirma.

Aos que pretendem uma carreira no exterior, Jayr recomenda que se aproveite a oportunidade para fazer currículo. “Aproveitei todos os concursos, salões, exposições internacionais, prêmios e revistas. Ter currículo te valoriza e cria um background firme”, diz. Enquanto conversa com a reportagem no Museu Café Filho, onde três obras suas integram o 2º Salão de Arte Dorian Gray, Jayr não demonstra o menor sotaque lusitano. “Cheguei em Portugal sem entender nada do que eles falavam. E minha personalidade está muito vincada em Natal e no Brasil. Acho que por isso nunca absorvi o sotaque lusitano”, brinca.

Utopia brasileira in USA
Há quase 10 anos o currais-novense Rasmussen Sá Ximenes, o Mocó, introduz os norte-americanos à “mocotopia”, ou  seja, o mundo ideal sob sua visão de arte. Estabelecido em Petaluma, California, Mocó produz obras que mesclam cultura pop e arte naïf com um senso contemporâneo aconchegante. Um encontro de Iaperi Araújo com Picasso que costuma encantar os olhares estadunidenses. “A identidade brasileira no meu trabalho ajuda muito, é o meu diferencial! Minha pintura tem uma característica própria, não muitas vezes identificada como arte brasileira, mas um estilo único”, afirma.

Mocó se considera à vontade no mercado norte-americano. “A Califórnia tem espaço para tudo e todos, é um celeiro de ideias e oportunidades, desde que haja entusiasmo, aliás, acreditar no que se produz na Califórnia é um código de boa conduta  e uma linguagem que precisa ser exportada para o mundo todo! Se o indivíduo consegue perceber isso, ele vai longe”, afirma, sobre a mentalidade empreendedora da área.

Sobre sua arte, ele afirma que encontrou espaço no segmento contemporâneo. “A arte que eu produzo transita melhor em galerias de arte contemporânea, sou representado por poucos e bons agentes. A estratégia é uma exposição por ano, talvez duas, tempo para que se possa produzir com qualidade.  Geralmente as exposições estreiam com boa parte do acervo já negociados. Esse mérito eu divido com meus curadores!”, explica.

A convivência com outra cultura, tão diferente do nordeste brasileiro, não intimidou o artista. Pelo contrário. “Conviver em outra cultura me deu o privilégio de enxergar por outras perspectivas! Foi importante perceber que havia uma lacuna de estilo a ser preenchida. Em vez de causar um estranhamento, foi bela uma surpresa estética, onde personagens com características do nosso cordel invadiam cenários americanos”, diz.

Mocó também se diz descrente com a crítica de arte atual. “Eu não dou a mínima para a crítica de arte, não me interessa ouvir o que eu não possa corrigir, a minha arte vem da alma, eu não sigo critérios externos. Aliás, não existe mais crítica de arte respeitável, basta ver a pobreza da produção estética nos últimos anos”, afirma. O potiguar se considera um artista realizado. “Entendo minha aceitação, dentro e fora do Brasil, e tenho a segurança de que estou indo no caminho certo. Essa é a crítica que respeito e obedeço”, conclui.

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