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Trote

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Dácio Galvão
[Mestre em Literatura Comparada, doutor em Literatura e Memória Cultural/UFRN e secretário de Cultura de Natal]

Li um texto publicado em livro organizado por Sérgio Cohn que a égua do irmão – do ativista indígena Ailton Krenak – se chamava Natureza. Sou ligado na parataxe do mundo humano com o do equino. Gosto de montar éguas. Sem nenhuma concessão populista. Bestas. Aquelas bestas como na prosa de Clarice Lispector que não “abandonam sua vida secreta que se processam durante a noite”. Recentemente me desfiz de uma delas. Decisão relativa à equitação. Marcha de centro, esbarro… afetivamente não foi fácil. Gerada criada e manejada em nosso ambiente havia sete anos. Duas irmãs pelo lado paterno. Pelagens compostas sendo uma belíssima pampa de preto. Foi reconfigurada num quadro do artista Flávio Freitas trabalhado sob encomenda. Me foi presenteado por generosos colegas de trabalho. Corpo em tremenda morfologia. O nome fazendo jus ao cenário banhado pela lagoa Guaraíras: Jangada.

Antiquíssima é a presença do cavalo. Cavalarianos de Roma não montavam um caballus -animal de carga-, e sim um equus, ou ekwos palavra originada do tronco linguístico indo-europeu (Oriente Médio em torno de 3300 a.C) que traduz o cavalo atual.  

Fiquei muito impressionado quando visitei no pavilhão da Oca no Parque Ibirapuera, em São Paulo, a exposição “Guerreiros de Xi´an e os Tesouros da Cidade Proibida” no ano de 2003. A curiosidade transcendeu as esculturas em terracota do exército do imperador Qin Shi Huangdi, se fixando no cavalo de tamanho natural que trazia o posicionamento dos membros inferiores em tríplice apoio! Característica motora do nosso atual cavalo de passeio ou de sela. Esse conjunto cerâmico representava um recorte de um total do acervo de  mais de mil peças datadas em cerca de 200 aC.

Pois é. A ancestralidade homem / cavalo ainda espera por se fechar em ciclo. Perpassa a arqueologia, o bélico e o artístico. Desenhos rupestres, mitologias…  seja nos abrigos na Rocha de Bhimbetka ou no imaginário coletivo com Pégaso, Árion, Centauro, Unicórnio, Hipogrifo, Hipocampo, Kelpie, Buraque.

Na épica macedônica, Bucéfalo garanhão de Alexandre 3º, foi seu parceiro até sua morte em combate em terras do oriente. Alexandre o homenageou fundando a cidade Bucéfala.  Muito depois ecoaria o canto elegíaco de Emanuel Viana Teles: “…Ele escolheu seu cavalo / Por parecer indomável / E pôs-lhe o nome Bucéfalo ao dominá-lo / Para júbilo, espanto e escândalo do seu próprio pai”!

O cavalo. A saga. Aparece na moeda-mapa cartaginesa-341 a.C. Na iluminura medieval impressa em pergaminho do poeta-cavaleiro Bertrand de Born, do Castelo de Altaforte. No contemporâneo desenho “Cabeza de caballo” para “Guernica”, de Picasso… A forma do cavalo alegoriza e contribui para a diversidade de linguagens. Na poética homérica ou na prosa experimental de Guimarães Rosa. O axioma. – “O cavalo representa a animalidade bela e solta do ser humano”, interroga Lispector. A resposta pode ser afirmativa. No passo livre! No trote! No galope! Ou na marcha picada!

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