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Tudo isso acontece?

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Cláudio Emerenciano 
Professor da UFRN
As nações e as civilizações são como os homens: nascem e renascem lentamente. Cada instante na vida de um homem incorpora sentimento, sensação, estado de espírito, prazer, sofrimento, amargura, vontade, sonho, frustração ou esperança. Construir o homem e sua vida é identificar, sentir e mobilizar a presença de Deus dentro de cada um e de todos. Do mesmo modo, a ascensão moral, cultural e ética de um povo, ou de uma nação, decorre de atos e idéias que fundamentam o seu existir. O aprimoramento coletivo não resulta do arbítrio de alguns. Jamais. É ato de partilha e usufruto de todos. Sem exclusividade de ninguém. Sobretudo o direito à felicidade e ao bem-estar. Cada homem, sem exclusão, alimenta dentro de si um sonho (utopia) de felicidade. Segundo Gandhi, o cerne dos conflitos humanos assim se explica: “O mundo fornece o suficiente para satisfazer a necessidade do homem, não a sua ganância”. 
Os alemães, desde os tempos do filósofo Emmanuel Kant (séc. XVIII), entendem que uma nação, em seu conjunto, caracteriza-se por possuir uma concepção própria, identificável e peculiar do mundo e da vida (weltschaung). Crenças, valores, tradições e princípios dessa “concepção” são transmitidos de geração a geração. São imutáveis e intemporais. Kant atribuía ao exercício da liberdade e à fé em Deus a moralidade individual e coletiva. Pela fé o homem descortina o universo e a vida. Enquanto a ética e a moral expressam e manifestam sua civilização. Sigmund Freud, em sua “Autobiografia” (1925), disse que ninguém superou William Shakespeare ao desvendar os caracteres humanos, múltiplos, complexos, impactantes e enigmáticos. Suas tragédias foram suficientes e insubstituíveis na identificação dos comportamentos, motivações, sentimentos, conflitos e desvarios da cena humana: Tróilo e Cressida, Coriolano, Tito Andrônico, Romeu e Julieta, Timon de Atenas, Júlio César, Macbeth, Hamlet, Rei Lear, Otelo, Antonio e Cleópatra. Se ninguém foi tão cruel quanto Macbeth, ou se apaixonou tanto quanto Romeu e Julieta, ninguém foi tão homenageado quanto Brutus por Marco Antonio em “Julio César”: “Dos nobres, era o mais nobre. A sua vida era pura. Os elementos que compunham o seu ser de tal forma nele se conjugavam, que a Natureza inteira poderia levantar-se e bradar ao universo: aqui está um Homem!” O “julgamento” de Brutus foi original e até surpreendente: a motivação.
A identidade nacional brasileira está submetida a um processo de erosão. Seus princípios, crenças, valores, tradições e ideais são debochados pela televisão e redes sociais. Contínua e crescentemente. A população brasileira, em sua grande maioria, tem na televisão seu exclusivo meio de entretenimento, informação e cultura. De algum tempo a esta parte, as redes sociais, num fenômeno universal e alimentado pela internet, ampliaram seus “tentáculos” para influenciar e condicionar o querer e o agir das pessoas. Esse é um dos desafios traumáticos dos “novos tempos”.
Lê-se pouco no Brasil. Enquanto a “grande” Buenos Aires possui mais livrarias do que o nosso país. Na Argentina apenas 4% de sua população não são alfabetizados. Não assisto às novelas. Mas não deixo de saber do seu conteúdo. Sou atento ao noticiário de vários canais (fechados e abertos). Será que o Brasil, diária e invariavelmente, só é cenário de coisas negativas, ruins e frustrantes? Neste belíssimo país, dotado de um povo bom, fraterno, pacífico, religioso, emotivo, trabalhador, sonhador, solidário, não predominam o amor e a bondade? A gente simples partilha sentimentos, sonhos, desejos, alegrias, tristezas, esperanças, amarguras, generosidade e desprendimento. Há, naturalmente, como parte da vida humana, conflito entre a verdade e a mentira, a sinceridade e a hipocrisia, a lealdade e a traição, a gratidão e a perfídia, o amor e o ódio etc. Os contrapontos revelam antagonismos à própria vida em todos os tempos, culturas e lugares. Mas viver, em síntese, numa dimensão absoluta, insuperável e intransponível, é amar. O amor abriga todas manifestações de engrandecimento da humanidade. Caminho de ascensão da condição humana. Sem fim!
Um dos grandes pensadores do século XIX, Soren Kierkegaard, dizia que os homens são compelidos, em certas circunstâncias, à angústia e à solidão. Em termos coletivos. Situações provocadas, principalmente, pelas frustrações referentes aos interesses comuns. Seria uma espécie de tristeza generalizada. Amargura facilmente detectada em sociedades submetidas às ditaduras, ao ódio, à mentira, à violência e à hipocrisia. Tristeza endêmica como em “1984” de George Orwell, que devassou as crises existenciais de povos submetidos à truculência, à intolerância e ao arbítrio. Estado de espírito em que o desânimo e o desalento subvertem o sentido da vida. Mas a fé, a esperança e o bem germinam os caminhos da felicidade. É questão de tempo.
Nenhum homem, em qualquer tempo e lugar, jamais perdeu a capacidade de desenvolver sua própria condição humana. Independentemente de sua cultura. De conhecer-se cada vez mais. Exercitar sua inteligência para raciocinar e pensar. São dons de Deus. O livre arbítrio do homem é, em essência, o exercício livre e consciente de sua capacidade de discernir, escolher e julgar. Os ideais se concretizam pela ação. Sempre.
Há um estado de perplexidade na sociedade brasileira. Recentes acontecimentos disseminam desânimo e até pânico. Os que têm responsabilidade pelo eficaz funcionamento das instituições e aplicação da lei assumem posturas omissas, imobilistas, passivas, vacilantes ou estáticas ante surtos de violência, descompromisso, sadismo e criminalidade. A vida democrática não se entibia por ações criminosas, cruéis e irresponsáveis. Os vândalos precisam ser reprimidos severamente. Não se confunda livre manifestação com autoritarismo, intolerância, destruição, insegurança e terror… 
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