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“Turismo é atividade de curta distância”

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Por Anna Ruth Dantas

Consultor em Turismo, nome reconhecido nacional, Paulo Gaudenzi faz uma constatação, em tom de sentença, logo no início da entrevista: desde a década de 80 os instrumentos de divulgação do turismo brasileiro não trouxeram qualquer inovação, com exceção do site.

Paulo Gaudenzi alerta que é preciso focar na divulgação e não apenas entre as operadoras, mas também com o público final. Ele destaca a necessidade da gestão pública investir na publicidade, mas reconhece a necessidade de uma parceria entre público e privado, afinal são as empresas de turismo que atrelam a sua marca ao destino comercializado.

Já quando o assunto são os grandes eventos que o país sediará, principalmente a Copa do Mundo de 2014 e a Olimpíada de 2016, Gaudenzi cita o exemplo da África do Sul e se mostra incrédulo do “milagre” propagado pelos defensores do grande legado que teoricamente o mundial trará para o país.

Para quem acredita que turismo é feito a longas distâncias, o consultor analisa que o turismo é de curtas distâncias. Uma afirmação que, certamente, norteia o foco da divulgação dos destinos.

Com vocês, Paulo Gaudenzi:
Paulo Gaudenzi é consultor em Turismo e considerado hoje um dos grandes especialistas na área do país
Qual a leitura que o senhor faz deste momento do turismo no Nordeste?
Acho que o problema do turismo hoje no Nordeste é muito igual ao resto do Brasil, onde você tem um turismo interno nacional foi muito forte ano passado, nos últimos três ou quatro anos foi crescente, e esse ano eu tenho a impressão que ainda vai ser forte, mas já não mais com a mesma força dos anos anteriores. Mas eu tenho muita fé e a expectativa de que seja um ano muito bom também. Agora, com relação ao Nordeste, temos um grave problema e que passa pelo Brasil como um todo, mas especialmente aqui. Eu me refiro a parte do turismo internacional. Ele (o turismo internacional brasileiro) tem dez anos que não sai do lugar. Você vê pelas estatísticas que ano passado chegou a pouco mais de 5 milhões. Mas esses números, no ano anterior 5,1 milhão, 5,3 milhões no outro ano, isso quer dizer que não sai do lugar. Deve ter n motivos para isso. Acho que esses motivos todos podem ser jogados nas costas das dificuldades econômicas dos países emissores, mas em compensação tem outros países que sofreriam isso e não estão sofrendo. Então o problema não é só esse. Tem a dificuldade das companhias aéreas brasileiras que não têm  mais, até a TAM hoje já é chilena. A rigor a Gol que é a única nacional das maiores só tem pouquíssimos voos. Temos o fato de que os nossos vizinhos não são ricos e turismo você sabe que é uma atividade de curta distância, não é atividade de longa distância. Então países importantes como a França que tem o maior turismo do mundo em quantidade de pessoas não tem na maior quantidade de recursos ganhos com o turismo. Os Estados Unidos, que é o segundo ou terceiro no número de turistas, tem duas vezes mais ganho que a França com o turismo. E a própria França tem 80% do seu turismo ou mais de quem está a menos de quatro horas de viagem. Tem também (a França) mais de 60% dos turistas (da França) é de quem está na fronteira da França. Como temos vizinhos pobres, além de não termos uma viação desenvolvida com nossos vizinhos, a economia nossa vem patinando, a dos nossos vizinhos, principalmente a Argentina, também é uma economia que não vem bem. São muitos os fatores. Mas nós também não podemos esquecer de uma coisa, de que fazemos hoje na promoção do turismo nacional tudo que se fazia igual a década de 80. Eu costumo me lembrar que a única diferença da década de 80 para hoje, na forma de promover o Brasil, é o site. Naquela época não tinha site.

Os grandes eventos como Copa do Mundo e Olimpíadas poderão ser a redenção do turismo?
O Brasil entrou nessa dos grandes eventos, achando que eles (os grandes eventos) são espetaculares. Eles (os grandes eventos) dão chance de fazer uma propaganda do país, isso é verdade. E talvez seja esse o único legado que a gente possa ter se sair tudo bem, o que já não foi uma boa lembrança o que aconteceu na Copa das Confederações. Esperamos que no ano que vem não seja assim. O único legado será esse, porque o legado da infraestrutura não apareceu. Nós não aprendemos com o que os outros sofreram. Não aprendemos com a Copa do Mundo da África do Sul, onde se chegou a reservar hotéis fora da África do Sul esperando que ia ter muita gente e na hora h não teve.

Então os grandes eventos estão superdimensionados no projeto do Brasil?
O que foi mostrado a nós, o que foi mostrado ao povo é algo que não é real. Na África do Sul diziam que seria mais de 600 mil visitantes. Foram 300 mil visitantes. Aqui no Brasil se começou falando em 1 milhão de visitantes. Já se fala em 500 mil, já tem quem fale menos. A Copa das Confederações foi alardeado que seriam 100 mil visitantes estrangeiros, eu acho que não se chegou a 20 mil. Claro que a Copa das Confederações são oito times, a Copa do Mundo são 32. Veja que a Copa com muita gente na Alemanha, na França, na Itália ocorreu porque ali tudo é muito pertinho. Há uma série de coisas que não foram avaliadas. Não digo que foram enganosas, mas foram vendidas de forma diferente. Os problemas da África do Sul estão aí. Veja que tem cidades pedindo ao Governo para desmanchar o estádio. Na Cidade do Cabo, segunda maior cidade do país, está pedindo para desmanchar o estádio e usar o material para fazer escola, fazer hospital. Tem uma cidade da África do Sul que se construiu um estádio e nesse cidade não tem um time de futebol. Lá (na África) existiram protestos contra os gastos do Governo e ninguém (no Brasil) se lembrou disso. Se teve protesto antes das Olimpíadas de Londres com o descontentamento de gastos. Hoje o povo está gritando que quer hospital padrão FIFA no Brasil.

O senhor se referiu, no início desta entrevista, a questão das companhias aéreas. Ao leigo é pouco compreensível que as passagens aéreas sejam caras e, ainda assim, as companhias amarguem prejuízo.
As passagens aéreas são caras. A gente tem uma visão que não é real, os voos da manhã cedo e do final da tarde são sempre cheios, mas os do meio do dia não são. Mas a empresa precisa colocar aquele voo para voar. Os voos cheios estão pagando os custos do voo vazio. Você tem isso porque o mercado não é tão grande quanto se imagina. Se você chega na Europa você tem muito mais fluxo de gente, nos Estados Unidos também. Quanto mais fluxo tiver maior a quantidade de voos você vai ter com capacidade de ganhar. Outra coisa, o Brasil tem algumas rotas que são muito boas, do ponto de vista de movimentação de passageiros. Uma das rotas mais rentáveis é a ponte aérea Rio-São Paulo. A Azul, por exemplo, uma das coisas que vem lutando é entrar na ponte aérea. Todo mundo quer entrar no voo Congonhas-Santos Dumont, é onde está o mercado.

O senhor criticou a falta de inovação na divulgação. Até que ponto a divulgação deve ser feita na operadora ou no cliente final?
São duas ações distintas. Você precisa de um trabalho para o público final, que é trabalho difícil de captar e é muito mais caro. Ninguém imagine que alguém vai comprar um passeio para um lugar ou outro se não ouviu falar daquilo. Apesar de que, segundo consta nos estudos feitos, o melhor divulgador é o boca a boca. Alguém que foi, encantou-se, principalmente a experiência de vida; isso é o que vale hoje, mais do que qualquer coisa. O turismo de hoje não é mais de contemplação, de ver, é de viver experiência. Por isso que o turismo de aventura, de eventos, cresceram. O turista quer passar por experiência. É importante que você tenha divulgação para todos, para o público em geral. Se não tiver, dificilmente alguém vai chegar para procurar o seu produto. Isso vai facilitar a venda do agente de viagem. É importante fazer propaganda junto com os agentes porque ela é mais dirigida. Como as empresas todas têm sua publicidade que fazem no geral, veja o exemplo de que a CVC faz propaganda dos produtos que ela vende. Importante o governo trabalhar na divulgação geral, para o grande público, e entender também que o governo não vende nada, quem vende é o operador, a iniciativa privada. Não adianta trabalhar no público geral se não tiver um operador vendendo.

Seu nome hoje é referência no país no segmento do turismo. A que o senhor credita esta marca?
Credito isso a uma circunstância. Participei de governos seguidos onde tivemos oportunidade de planejar e executar, com definições políticas muito claras dos governantes de que a atividade do turismo é importante do ponto de vista sócio-econômico. A atividade do turismo não pode ser partidarizada, ela é técnica. O governo tem papel de oferecer infraestrutura e de saber ouvir. Mas é a iniciativa privada que vende.

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