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UFRN já começa a despontar entre os centros de pesquisas

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PESQUISAS - Maria Bernardete explica que barreira ainda existe, mas aos poucos estão vencendo as dificuldades”

As empresas brasileiras têm recursos, mas sempre se ressentiram de pesquisas que pudessem melhorar seus produtos e serviços. Os pesquisadores brasileiros têm capacidade, mas sempre reclamaram da falta de recursos para realizar suas pesquisas. A união desses setores parecia óbvia, porém só agora pesquisadores e iniciativa privada começam a falar a mesma língua. Prova disso está na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, que no último ranking da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), foi considerada a 18ª instituição do país em publicações de artigos de impacto.

O ranking leva em conta o número de citações dos artigos publicados por pesquisadores da universidade, ou seja, a quantidade de vezes que um trabalho originário da UFRN é apontado como referência por artigos de outros pesquisadores ou estudiosos. E se essa colocação já é considerada positiva, a tendência é que só venha a evoluir, graças a maior aproximação entre produção acadêmica e empresas. “A barreira que sempre existiu ainda não foi totalmente derrubada, mas os pesquisadores estão percebendo cada vez mais que o foco do trabalho da universidade tem de ser a sociedade”, destaca a pró-reitora de Pesquisa da UFRN, Maria Bernardete Cordeiro.

Para ela, a relação entre universidade e empresas é salutar, “é um caminho sem volta” e só tende a oferecer à população produtos e serviços melhores e mais em conta. “Hoje, essa visão começa a ser adotada e não podemos mais falar em falta de recursos. Até mesmo áreas que tradicionalmente não eram tão financiadas, como as das ciências sociais e humanas, já estão se desenvolvendo bem”, enfatiza. Apesar disso, ela reconhece que as áreas de tecnologia acabam sendo o foco dos investimentos maiores, já que também dependem de mais verbas.

Alguns dos aparelhos que chegaram nos últimos anos aos laboratórios da UFRN, ressalta, custam milhões de dólares e a universidade não teria como bancar essa aquisição por conta própria. “Já tive várias reuniões na Federação das Indústrias e sei que só temos a ganhar com a aproximação entre pesquisadores e empresas. Em países como Estados Unidos, Alemanha e Coréia do Sul, por exemplo, há uma cultura de ter pesquisadores dentro das empresas”, diz.

Enquanto isso, no Brasil cerca de 70% das pessoas com doutorado estão dentro das universidades. “Não há porquê esse temor de que trabalhar para uma empresa possa prejudicar seu trabalho. Também se faz muita pesquisa na iniciativa privada e ela é válida. Uma empresa como a L’Oréal (especializada em desenvolver cosméticos) possui uns 50 doutores trabalhando para ela”, exemplifica.

Bernardete lamenta, porém, a falta de formação dos estudantes para a pesquisa. “Esse trabalho deveria ser iniciado desde o Ensino Fundamental. Já há, por exemplo, bolsas júnior de iniciação científica da CNPq, mas é preciso ainda mais incentivo”, enfatiza a pró-reitora. Na universidade, diz ela, há a preocupação em apresentar aos alunos, desde os primeiros semestres, as opções como os grupos de pesquisas e incentivar as empresas júnior. 

Atualmente a estimativa é de que haja cerca de 3 mil alunos de pós-graduação e 1 mil de graduação, além de cerca de 800 professores, envolvidos com projetos de pesquisas na UFRN.

UFRN deve subir no ranking nacional

A tendência da UFRN é subir no ranking das pesquisas de impacto, já que no critério utilizado pela maioria dos órgãos que trabalham com o setor (número de vezes que os artigos produzidos são citados em outras publicações) tem havido diversos avanços. “Uma das principais barreiras que enfrentávamos era a da língua, mas hoje já podemos solicitar os serviços de revisores de textos para o Inglês, Espanhol e Francês. Mas apesar de a regra geral ser a publicação em Inglês, defendo que também tenhamos os trabalhos em português, para que todos tenham acesso”, ressalta Bernardete Cordeiro.

Outra medida importante diz respeito a outro critério de avaliação das pesquisas, a geração de patentes. “Estamos ainda defasados nesse quesito, mas iremos assinar convênio com o Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Inpi) em dezembro e teremos autonomia para criar cursos a respeito do assunto, permitindo que os pesquisadores tenham mais facilidade para patentearem seus trabalhos”, explica a pró-reitora.

Além disso, a UFRN criou dois novos departamentos, o de Programas e Projetos e o de Inovação e Empreendimentos. O objetivo é apoiar e facilitar tanto a publicação de artigos, quanto o registro de patentes, bem como todos os demais passos que cercam a realização das pesquisas. “Está se criando um ambiente muito positivo e acredito que iremos ter grandes resultados nessas áreas nos próximos anos”, prevê.

Distânciamento tem explicação histórica

O distanciamento entre iniciativa privada e pesquisadores têm uma explicação histórica: “Por volta das décadas de 60 e 70, em meio à Ditadura Militar, tanto os pesquisadores eram estimulados a fazer carreira acadêmica, com mestrados e doutorados sem sair da instituição, como também os movimentos de esquerda tinham forte influência nas universidades e pregavam a concepção de que não se podia trabalhar para o capital, para a iniciativa privada”, recorda o professor José Lacerda Felipe.

Diretor de Inovação Tecnológica da Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado (Fapern), ele ressalta que o momento hoje é outro e exige mais visão de futuro por parte dos especialistas. “A ciência e a tecnologia precisam dar retorno à sociedade e manter também uma sintonia com o que essa sociedade precisa”, ressalta. Nesse cenário, trabalhar para melhorar produtos e serviços deve ser uma das principais metas de estudiosos e pesquisadores.

Uma das provas dessa mudança seria a própria forma como as instituições passam a ser avaliadas. “A publicação de artigos é importantíssimo, mas uma nova exigência e um novo modo de mensurar os trabalhos realizados é pelo registro de patentes que ele gera”, afirma José Lacerda. Para cumprir esse objetivo, a aproximação com a iniciativa privada passa a ser uma boa opção de identificar demandas e levantar recursos, e não mais um “pecado” como era considerada décadas atrás.

No entender do professor, alguns marcos dessa mudança podem ser notados no RN. O primeiro, no que diz respeito à UFRN, foi o começo da relação entre a Petrobras e a universidade, no final dos anos 90. “A instituição tinha quadros capazes de melhorar o processo produtivo da empresa, enquanto a Petrobras entrou com a demanda e os recursos”, resume. Outro marco é o apoio do setor de fruticultura.

Projetos são bancados pela Funpec

A Funpec é a fundação responsável por gerenciar os recursos que bancam os projetos desenvolvidos na UFRN. Ao todo, são mais de 800, dos quais 170 foram contratados somente este ano. Os valores se aproximam dos R$ 300 milhões. “É um valor significativo e é um reflexo da qualidade da universidade”, aponta o diretor de Projetos da Fundação, Jorge Lins.

Ele defende que é necessário unir as “demandas” da sociedade e as “competências” existentes na instituição. “A nossa maior financiadora hoje é a Petrobras, mas temos recebido mais recursos tanto do pode público, quanto da iniciativa privada. Essa verba vem para a universidade e contribui não só com quem desenvolve o projeto, como também para melhorar a estrutura da universidade, que é utilizada por todos”, destaca.

Jorge Lins estima em 1.600 o número de alunos envolvidos em projetos gerenciados financeiramente pela Funpec e em 600 os docentes. “Nosso desafio é conseguir carrear mais recursos e também incluir todos professores e cada vez mais estudantes nesses projetos”, conclui.

Petróleo ganha destaque e mais recursos

Com a aproximação entre UFRN e Petrobras, a área de pesquisa e estudos de petróleo e gás natural da universidade se tornou a de maior destaque da instituição, graças ao grande aporte de recursos (somente este ano foram R$ 27 milhões, segundo dados da Funpec). E nos próximos anos essa área deve incrementar os números de publicações de artigos e de pedidos de patentes por parte da UFRN.

Isso porque, anteriormente, os pesquisadores da área de petróleo tinham dificuldade até para publicar seus trabalhos em artigos. “Até 2006 era complicado, mas um acordo com os reitores autorizou que qualquer trabalho que esteja sendo desenvolvido nessa área seja publicado, desde que se faça uma consulta à Petrobras e a resposta dessa consulta deve levar, no máximo, 30 dias”, explica o coordenador do Núcleo de Estudos em Petróleo e Gás Natural, Djalma Ribeiro. 

Por contrato, as patentes também são registradas em nome da Petrobras. Como a empresa não comercializa grande parte desses registros, acaba não pagando royalties a quem a desenvolveu. Porém, já há uma luta dos reitores de todo o Brasil para que os inventores tenham direito a esses recursos, mesmo que a Petrobras não repasse a nova tecnologia a outras empresas. “Mas há outras formas de se ganhar. Nosso laboratório de automação desenvolveu um software para todos poços do RN”.

Bate papo

Djalma Ribeiro – Coordenador do Núcleo de Estudos em Petróleo e Gás Natural

A chegada dos recursos da Petrobras à UFRN é um marco?
Sim. Os investimentos começaram em 1999 e foram R$ 19 milhões já no primeiro ano. Para se ter uma idéia, o orçamento total da universidade era de R$ 10 milhões. Nesses anos todos, já somam cerca de R$ 100 milhões. Hoje, ainda há até certo preconceito, porque são quase dois mundos, o pessoal que trabalha com petróleo e os que não trabalham, mas petróleo hoje abrange várias áreas, desde a principal, que é a tecnológica, até a de saúde, biomédicas e humanas, temos até mesmo um curso de Direito de Petróleo. Somos a segunda universidade do Brasil, depois da UFRJ, em recursos recebidos nessa área. Contamos com 30 laboratórios e 280 estudantes bolsistas trabalhando nessa área, além de 100 professores da UFRN e mais uns 100 de outras instituições. Estamos ganhando ainda outro núcleo, o de Processamento Primário de Reuso de Água e Petróleo, que já está em licitação para a construção de um novo prédio (o do atual possui quatro pavimentos).

Isso derruba o conceito de que não se pode trabalhar ligado às empresas, pois acabaria com a autonomia do pesquisador?
Sim. Os recursos são oriundos do petróleo, mas não temos obrigação de trabalhar para a Petrobras. O comitê do núcleo tem nove integrantes, apenas um é da Petrobras. Ou seja, temos liberdade de ação. A própria Agência Nacional de Petróleo exige que tenhamos outros clientes. Temos um laboratório para parte de água e nosso maior usuário é o Idema. Há projetos até para outras empresas de petróleo, dentre essas a Shell, que é concorrente.

E os recursos tendem a aumentar nesse setor?
Certamente. Com a lei do Petróleo, 0,5% do faturamento com poços especiais (a partir de certa quantidade de produção) deve ser aplicado em pesquisas. Isso representa R$ 350 milhões ao ano para 56 instituições públicas e nós somos a segunda que tem recebido mais verbas.

Maioria dos estudos da UFRN tem temas locais
A maior importância de a UFRN desenvolver pesquisas de qualidade é o fato de que nenhuma universidade de outro estado vai focar suas atenções nos problemas típicos do Rio Grande do Norte. “Hoje, felizmente, 70% de nossas pesquisas abordam demandas locais”, afirma a pró-reitora Bernardete Cordeiro. Para o professor José Lacerda, há bons exemplos da importância dessa ênfase local. “Nossa carcinicultura trabalha com uma única espécie de camarão, precisamos portanto conhecê-la profundamente. Da mesma forma, a fruticultura necessita de estudos como os que solucionam os problemas das pragas”, cita. 

Em termos gerais, aquele projeto que tem o objetivo de criar um novo produto, ou melhorar a produção de um já existente, é chamado de pesquisa aplicada. Já os estudos que não visam diretamente uma utilização específica, mas principalmente acrescentar conhecimento a determinada área são chamados pesquisa de base. Embora considerada de resultados mais “práticos”, a primeira depende do desenvolvimento da segunda. “A pesquisa de base tem importância muito grande. Agora, os investimentos que temos em pesquisa aplicada também servem para a de base. Equipamentos como o microscópico eletrônico são utilizados nessas pesquisas e os pesquisadores não pagam um centavo por isso”, ressalta o professor Djalma Ribeiro. Pró-reitora de Pesquisa, Bernardete Cordeiro acrescenta: “Desenvolvimento não ocorre apenas na pesquisa aplicada.”

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