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Um beco

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São Paulo –  A primeira informação veio numa matéria de página inteira da Folha de S. Paulo. Ainda estávamos em Natal. E bastou. Rejane anotou o endereço, descendo a Rua Augusta e antes da Tietê. É um beco. Sem qualquer força de expressão. Um beco estreito, identificado por uma pequena placa ovalada na qual está escrito: ‘Bistrô de Paris’. Três, quatro ou cinco pequenos restaurantes, mesas internas e externas, misturadas aos arbustos, numa nesga comprida de jardim. 
Escolhemos uma mesa para dois no primeiro, um bistrô italiano em tudo – das entradas às sobremesas, com um café perfeito que, nisto, confesso com certa soberba, tenho o gosto apurado. Os vários grupos se dividiam nas mesas maiores, numa conversa alegre e ruidosa, no burburinho dos jovens ou na calma sem pressa de alguns casais bem postos, de bom e fino trato, típicos dos jardins paulistanos. De senhores nas leves grifes de domingo, quando abandonam suas gravatas. 
Ficamos ali. Simples, anônimos, felizes. Chegamos cedo para o hábito paulistano, pouco antes de uma da tarde, e por isso evitamos as filas que se formariam logo depois. Nada que tenha o luxo dos exigentes, mas tudo muito bem posto e disposto naqueles estreitos espaços ocupados por pequenas mesas, num estilo meio europeu. Aceitei o vinho, sugestão da casa, e fizemos nossas escolhas no cardápio: Rejane preferiu um ravióli com ervas. Escolhi as bistecas frescas de javali.
O beco fica nos jardins, mas não é um território dos grã-finos. Não, não é. Talvez da ainda classe média que sobrevive ali, um pouco assustada com a crise que devora o poder aquisitivo dos brasileiros, mas alegre e cheia de vida. Belas mulheres e homens elegantes, bem lavados, como é do dizer dos exigentes. Sobreviventes de um Brasil que veio da peste, mas renascido, como nos velhos tempos da gripe Espanhola, num dia de sol que teimava e vencia as nuvens acinzentadas. 
Reparei, curioso e discreto, quando um garçom serviu ao casal ao lado as finas lâminas de presunto artesanal num pequeno varal como se fossem roupas estendidas sobre a tábua que servia de suporte – queijo, pão, azeite e nada mais. E os dois ficaram ali, entre longos goles de um vinho branco que parecia leve. Tempos depois, veio uma segunda garrafa e eles ali, sem pressa, afinal eram jovens e trocavam como se fossem confissões de amor, bem assim, de muito antigamente. 
É que a felicidade, Senhor Redator, não exige muito. E se torna mais facilmente possível se você aceita ser feliz com a felicidade possível. Depois, observei a uns poucos metros de distância, o casal de meia idade, elegante nas roupas e nos tratos. Conversavam mansamente como se flutuassem entre as taças do melhor champanhe mergulhado no balde de gelo. Sem ostentação. Discretíssimos. No privilégio dos quem sabem que a felicidade é simples para quem sabe vivê-la. 
GUERRA – Ninguém tenha ilusões: a disputa pela vaga de senador vai descambar logo cedo para uma guerra. E, nas cartucheiras, as balas serão os processos que circulam no tribunais superiores. 
PAIOL – As fontes não querem aparecer, mas asseguram: cada um tem abastecido seu paiol com as munições disponíveis. A busca pelo mandato de senador vai ser um vale tudo. E sem fronteiras.
HUMOR – De um velho militante do finado PCB vendo o União Brasil, filho bastardo da fusão de Democratas e dos pesselistas, num arrumado feio e conservador: “Já nasceu mal feito de corpo”.
VALOR – O jornalista e crítico de cinema Valério Andrade é agora sócio honorífico do Instituto Histórico. A proposta, aprovada pela instituição, foi de sua presidente, escritora Joventina Simões. 
ROMBO – De 1996, quando do último reajuste anual, a 2022, congelamento da tabela do imposto de renda já garfou do cidadão brasileiro 147,3%. É a mais dura tributação sobre salários do mundo. 
GAZA – O Brasil ganhou uma belíssima antologia de poetas árabes traduzidos para o português, organização de Muhammad Taysir. Um trabalho do Grupo de Tradução da Poesia Árabe, da USP.
POESIA –  Da poetisa Ilina Ahmad, que se define caótica, só assim: “Deixe-nos estar como vento, / domando a nossa desilusão, / afagando o cabelo da ausência, / nós, os enterrados no passado”.  
OLHAR – De Nino, o filósofo melancólico do Beco da Lama, olhando o jeito dos falsos, como se ninguém notasse: “São como as urtigas. Suas flores são alvas e as folhas viçosas, mas queimam”. 
AMOR – No seu artigo deste mês sobre a escritora e jornalista Elizabeth Hardwick, na revista ‘Quatro Cinco Um’, o também escritor Paulo Roberto Pires revela um detalhe sobre a vida íntima de Clarice Lispector: a sua noite de amor, no Rio, com o poeta norte-americano Robert Lowell.  
COMO – A informação está numa carta de Elizabeth Bishop. Robert Lawell veio ao Brasil duas vezes visitar a poetisa, amiga da ensaísta Elizabeth Hardwick, sua mulher. E muito célebre por ter fundado a New York Review of Books, a revista literária mais importante dos Estados Unidos.
DELÍCIA – Ainda na revista ‘Quatro Cinco Um’, de julho, o texto delicioso de Matinas Suzuki Júnior – ‘O Puxador de Angústia’. Conta como foi a reunião da direção da Folha de S. Paulo quando decidiu convidar Otto Lara Resende, então uma estrela imexível do elenco de O Globo.
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