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Um Ensaio sobre a cegueira de nós mesmos

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FILME - Personagens anônimos  dividem sofrimentos e esperanças

Quando as janelas da alma se fecham, resta o infinito de dentro.    A sensação de assistir ao longa “Ensaio sobre a Cegueira” de Fernando Meirelles, homônimo do livro de José Saramago, é a de cavar o infinito que existe na gente e experimentar possibilidades nunca sentidas antes.

O filme começa rápido. Uma epidemia de cegueira branca assola um país inteiro e ela  começa quando um rapaz perde a visão de uma hora para a outra em pleno trânsito. A mudança do colorido dos semáforos em contraste com a imagem de um branco é o início de uma história forte, dolorosa e reflexiva.   Homens infectados com a doença começam a ser transportados para celas que lembram as dos hospícios brasileiros, num isolamento desesperado do Ministério da Saúde em tentar conter o alastramento da cegueira. 

O primeiro a chegar é o oftalmologista  (Mark Ruffalo) acompanhado de sua esposa (Julianne Moore) única a não ficar cega.Um a um, os personagens vão se acomodando num vazio existencial, transformando o espaço num refúgio de guerra. As camas são disputadas, e com poucos alimentos eles começam a batalha pela sobrevivência. É aí onde mora o teor humano de Saramago, nesse abismo da vida e na perspectiva de revirar o mundo num espaço curto de tempo. O filme de Meirelles remexe com a gente no lugar mais estreito que reservamos. A mulher que observa com os próprios olhos tudo o que acontece nas alas, pode ser também cada um de nós espectadores. Em alguns momentos, a sensação que fica é a de não existir mais saída para os homens infectados, quando muitos soldados estão armados no e não permitem que ninguém saia de lá.

Entre tantas imagens sensíveis  dirigidas por Meirelles, uma é especial. Quando o líder de uma das alas começa a controlar a comida e em troca pede mulheres. Quando elas retornam uma chega morta nos braços das outras oito mulheres.   Elas começam então a lavar o corpo  com a água que restou na ala. O simbolo da água, aliás, é presente em várias partes do filme. E as cenas de violência foram filmadas com sutileza, diferente das exibidas em Cannes . Em uma recente entrevista, Saramago diz ter gostado muito do filme. “A mesma sensação tive quando terminei de escrever o livro”. A crítica brasileira concorda com Meirelles que obteve um olhar mais atencioso depois de modificar a montagem do filme umas dez vezes após a apresentação no Festival de Cinema de Cannes, na França. Pelas bandas dos Estados Unidos, porém, as críticas negativas se contradizem com os apontamentos de diferentes críticos brasileiros, como a do jornal “Variety”:  “O drama astuto de Meirelles raramente atinge a força visceral, a tragédia profunda e a ressonância humana da prosa de Saramago.”; e a do “Hollywood Reporter”, que diz “O filme é provocativo, mas também previsível. Ele choca, mas não surpreende”. Isso acontece talvez pela delicadeza de perceber que o mundo não é tão cor de rosa como querem tanto as propagandas americanas.

Um incomodo do filme é ter sido filmado com atores estrangeiros —  com exceção de Alice Braga – e os brasileiros serem “obrigados” a engolir as legendas tão brancas quanto os  estouros da cegueira. E mesmo com o emblema da Ancine cravado junto a outros patrocinadores brasileiros —  já que o filme foi co-produzido e captado parte dos recursos no Brasil — a obra é tipicamente estrangeira, inclusive a estrutura cinematográfica.

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