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Um filme mudo em plena era digital

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Por Luiz Carlos Merten

Houve um momento em que os prognósticos pareciam ter todos furado. Como numa partida de futebol, 5 a 2, os prêmios para “A Invenção de Hugo Cabret” (melhor fotografia, direção de arte, som, mixagem de som e artes visuais) pareciam dar de lavada em “O Artista” (melhor figurino e música). Mas aí, na quadra final da 84.ª cerimônia de premiação da Academia de Hollywood, começou a reação do longa do francês Michel Hazanavicius. Ele fez história como o primeiro diretor de filme de país de língua não inglesa a ganhar o prêmio na categoria principal. O empate técnico, 5 a 5, veio com os Oscars de direção, ator (Jean Dujardin) e filme. Na verdade, “O Artista” foi o grande vitorioso da noite.
Menos pelo filme e mais pelo cosmopolitismo do resultado, a vitória acachapante de O Artista aponta para uma nova retomada.
Mas houve uma vitoriosa – Meryl Streep. Recordista de indicações para os prêmios de interpretação na história do Oscar – 17 vezes -, Meryl havia ganhado duas vezes, há 30 anos. De coadjuvante, por “Kramer Vs. Kramer”, atriz por “A Escolha de Sofia”. A Academia esperou todo esse tempo porque queria, de certo, que seu terceiro Oscar fosse acachapante. Meryl não é menos do que extraordinária como “A Dama de Ferro”. A própria Margaret Thatcher, mergulhada nas sombras do seu Alzheimer, teria, num raro momento de lucidez, a impressão de estar se mirando num espelho. Os indicadores apontavam para a vitória de Viola Davis, que vencera o prêmio do SAG, o sindicato dos atores, por “Histórias Cruzadas”. Os atores corrigiram seu voto e Meryl foi aplaudida de pé.

Houve Oscars irrepreensíveis – o de maquiagem, complemento indispensável para o brilhante trabalho de atriz de Meryl; o de roteiro original para Woody Allen, por “Meia-Noite em Paris”; o de filme estrangeiro para “A Separação”, de Asghar Farhadi; e os prêmios de “O Artista”. Todo ano fazem-se sempre análises mirabolantes dos indicados e dos vencedores do Oscar, prova de que o prêmio da Academia, por mais polêmico que seja – os críticos tendem a minimizá-lo, como reconhecido da indústria, no qual o dólar contaria mais que a arte -, é uma referência importante. Como campeões de indicações deste ano, “Hugo Cabret”, com 11, e “O Artista”, com 10, pareciam sinalizar para uma onda de nostalgia.

RETOMADA DOS PRIMÓRDIOS DO CINEMA

Num momento de crise, em que o analógico tende a ser sepultado pelo digital, o cinema (e a Academia) davam marcha à ré, retornando aos primórdios do cinema, à época de outra passagem, a do silencioso para o sonoro. Houve ali uma dupla revolução, técnica e estética, como a que ocorre aqui. Carreiras foram destruídas, grandes artistas resistiram quanto puderam aos novos tempos e rumos – Charles Chaplin, Charles Chaplin, Charles Chaplin -, mas o cinema resistiu, e sobreviveu. Há 11 anos, ao iniciar o debate sobre o digital, o Festival de Cannes já fizera a interrogação – se mudasse de suporte e o digital, como está ocorrendo, substituísse a película, o cinema continuaria existindo?

O OSCAR DA MUDANÇA

O pedido de concordata da Kodak – que se compromete a continuar produzindo película – se inscreve nesse movimento e o apresentador da festa se referiu ao teatro que leva o nome da empresa como teatro ‘da bancarrota’. Tudo isso é verdade, mas nostalgia? O mais belo, nesta história toda, é que “O Artista” não é nostálgico. Sentimental? Um pouco. Michel Hazanavicius parece acreditar na frase de Tancredi (Alain Delon), quando ele diz ao príncipe Salinas (Burt Lancaster) que as coisas têm de mudar para que tudo continue na mesma, na obra-prima de Luchino Visconti, “O Leopardo”. Há mais nostalgia e até sentimentos no perdedor, “Hugo Cabret”. É o melhor filme de Scorsese em anos, mas também é… Anódino? O filme mais spielbergiano que Steven não realizou, segundo Jotabê Medeiros?

Foi o Oscar da passagem, o espelho da mudança. Hollywood se reconheceu na parafernália de efeitos visuais de “Hugo Cabret” e premiou, no filme de Scorsese, o que era possível premiar. A vitória do aparentemente mais simples – preto e branco, ausência de diálogos -, “O Artista”, na verdade, consagrou uma obra de grande riqueza, complexidade e humanidade. Jean Dujardin diz duas palavras, apenas, no desfecho de “O Artista”. Elas são essenciais. Michel Hazanavicius era o que se chama de ‘artesão’. O título de seu filme comporta múltiplos significados. E se o artista que nasce no vencedor do Oscar for ele? Magnífico.

Vitória esperada

A vitória de “O Artista” era esperada. O que não se esperava é que vencesse tão bem. Afinal, das cinco categorias consideradas principais (filme, direção, ator, atriz e roteiro), levou três. A de ator já era dada como perdida para George Clooney. Cogitava-se que a direção ficaria com Scorsese, de modo a equilibrar um pouco o resultado. Mas não. A de ator ficou com Jean Dujardin e a direção, com Hazanavicius. A vitória, assim, foi acachapante. Hugo Cabret ficou com um bom número de prêmios, mas todos no segmento técnico. Os troféus “artísticos” penderam todos para a produção franco-belga. O que torna essa edição do Oscar digna de entrar para a história. Menos pelo filme, em si, e mais pelo cosmopolitismo do resultado.

Claro, a vitória da França é de importância inestimável, algo a ser valorizado. Basta pensar o que aconteceria por aqui se o Brasil vencesse, não o Oscar de melhor filme estrangeiro que perseguimos como ao Graal, mas o de melhor filme, pura e simplesmente.

É possível que a França não tenha a mesma obsessão por reconhecimento,  mas, ainda assim, não deixa de ser um marco, mesmo para eles. Ainda mais para um país que, por ironia, é um dos poucos que conseguem manter seu mercado interno saudável, defendendo-se da invasão indiscriminada dos blockbuster norte-americanos.

Irã diz que escolha de “A Separação” é vitória sobre Israel

Ubiratan Brasil – enviado especial

Los
Angeles – Pouco adiantou o diretor Asghar Farhadi dissociar da política
a escolha de “A Separação” como o melhor filme estrangeiro – o governo
do Irã anunciou ontem que a conquista representou uma vitória sobre
Israel, que competia com “Footnote”. Em Israel, onde “A Separação”
conquistou boa bilheteria, as críticas à premiação foram positivas.
“Trata-se de um filme bem escrito, com ótimas interpretações e uma
história comovente”, observou Yair Raveh, da revista “Pnai Plus”. Mesmo
sem saber da reação das autoridades de seu país, Farhadi evitava o
assunto. “As tensões políticas dizem respeito aos governos. Não tenho
nada a acrescentar, meu filme propõe uma comunicação entre as pessoas e
não acredito que membros do governo vão ao cinema.”

OS VENCEDORES

MELHOR FILME
» “O artista”

MELHOR DIREÇÃO
» Michel Hazanavicius – “O artista”

MELHOR ATOR
» Jean Dujardin – “O artista”


MELHOR ATRIZ
» Meryl Streep – “A dama de ferro”

MELHOR ATOR COADJUVANTE
» Christopher Plummer – “Toda forma de amor”

MELHOR ATRIZ COADJUVANTE
» Octavia Spencer – “Histórias cruzadas”

MELHOR ROTEIRO ORIGINAL
» “Meia-noite em Paris” (Woody Allen)

MELHOR ROTEIRO ADAPTADO
» “Os Descendentes”

MELHOR FILME ESTRANGEIRO
» “A separação” – Irã

MELHOR ANIMAÇÃO
» “Rango”

DIREÇÃO DE ARTE
» “A invenção de Hugo Cabret”

DIREÇÃO DE FOTOGRAFIA
» “A invenção de Hugo Cabret”

MELHOR FIGURINO
» “O artista”

MELHOR DOCUMENTÁRIO
» “Undefeated”

MELHOR DOCUMENTÁRIO DE CURTA-METRAGEM
» “Saving face”

MELHOR EDIÇÃO
» “Os homens que não amavam as mulheres”

MELHOR MAQUIAGEM
» “A dama de ferro”

MELHOR TRILHA SONORA ORIGINAL
» “O artista”

MELHOR CANÇÃO ORIGINAL
» “Man or Muppet”, de “Os Muppets”

MELHOR CURTA-METRAGEM DE ANIMAÇÃO
» “The Fantastic Flying Books of Mr. Morris Lessmore”

MELHOR CURTA-METRAGEM
» “The shore”

EDIÇÃO DE SOM
» “A invenção de Hugo Cabret”


MIXAGEM DE SOM
» “A invenção de Hugo Cabret”

EFEITOS VISUAIS
» “A invenção de Hugo Cabret”

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