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Um futuro sombrio para a água

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ALERTA - Aquecimento global, poluição e desperdício podem criar um quadro irreversível

Às vésperas da comemoração do Dia Internacional da Água, 22 de março, data em que reverenciarmos o líquido essencial da vida,  nunca a célebre profecia “o sertão vai virar mar e o mar vai virar sertão”, atribuída a Antônio Conselheiro e entoada por milhões de sertanejos, esteve tão perto de se concretizar. Ainda mais que o assunto da hora é o preocupante e gradativo processo de aquecimento global, fenômeno resultante da emissão de gases poluentes na atmosfera terrestre.

E entre os desastres oriundos desse mega efeito estufa previsto pelos cientistas, destaca-se o prejuízo no abastecimento de água para o consumo humano, comprometendo assim a existência da própria espécie.

Segundo estudos feitos por ambientalistas de todo o mundo e divulgados pela Organização das Nações Unidas (ONU), esse fenômeno, que há muito tempo vem sendo alardeado por cientistas e Ongs ligadas ao meio ambiente,  está modificando o clima em escala global e as conseqüências dessas alterações serão desastrosas como, por exemplo, o derretimento das calotas polares, resultando no aumento do volume das águas do mar que por sua vez passará a invadir as zonas costeiras acabando com várias cidades. Por outro lado, regiões bastante arborizadas e com grandes concentrações de água sofrerão com longos períodos de estiagem das chuvas provocando a morte de árvores e a secagem de grandes concentrações de água, o que transformará determinadas regiões em verdadeiros desertos.

Trazendo essa problemática para o contexto do Brasil, pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), divulgaram no início do mês um estudo baseado em séries de monitoração do clima, cujos dados foram convertidos em equações climáticas que projetaram as prováveis modificações climáticas até 2100.

De acordo com os resultados obtidos, ao longo do século, a temperatura média do país pode crescer até 4 graus, o que causará prejuízos para as culturas produtivas como agricultura e pecuária, além de prejudicar a biodiversidade das regiões brasileiras.

No caso do aumento do volume de água no oceano, a tendência natural é que o mar avance 40 centímetros a cada século, mas com o efeito estufa, esse nível poderá aumentar para 50 centímetros o que colocará em situação de risco cerca de 42 milhões de brasileiros que vivem ao longo do litoral.

Para se ter uma idéia do estrago que uma alteração climática como essa projetada pelo Inpe pode causar em uma determinada região, na área conhecida como Amazônia legal, o aumento da temperatura será ainda maior, podendo chegar até 8 graus, uma projeção assustadora para a região onde vive boa parte das espécies biológicas do mundo.

O estudo feito pelo Inpe levou em consideração dois cenários. No  primeiro, a pesquisa leva em consideração a redução do desmatamento e da emissão de gás carbônico (CO2), isso em níveis quase absolutos. Já no segundo cenário, a situação permaneceria como está, ou seja, o contínuo e crescente processo de desmatamento, além do aumento da produção de CO2.

Nos dois cenários projetados pela pesquisa, as conseqüências do aquecimento global no Brasil serão as mesmas, a diferença foi constatada apenas na intensidade que os desastres ambientais acontecerão no país. A pesquisa referenda o alerta feito pela ONU e serve como subsídio para que a sociedade e o poder público busquem soluções.

Natal pode ficar sem água potável

Com o boom imobiliário da verticalização que vem acontecendo nos últimos anos, a cidade cresce em uma velocidade que as melhorias na infra-estrutura não conseguem acompanhar. Um exemplo básico dessa urbanização desenfreada é falta de saneamento com ênfase no esgotamento sanitário, fato que pode colocar Natal entre as cidades que sofrerão com a falta de água potável. Para se ter uma idéia, hoje, dos cerca de 150 poços administrados pela CAERN, 26 estão contaminados por nitrato.

Esses poços localizados em  Morro Branco/Dunas, com sete; na região de Lagoa Nova II, com dois; na Cidade da Esperança, que tem três; já em Novo Campo são quatro; nas Quintas tem um poço contaminado; no Bairro Nordeste também tem um poço; e na área de Felipe Camarão e Cidade Nova encontramos o maior número de poços contaminados por nitrato, ao todo são oito.

De acordo com Paula Ângela Melo Liberato, gerente de qualidade e meio ambiente da CAERN, atualmente, os poços de captação de água localizados no bairro de Felipe Camarão e em parte do conjunto Pirangi apresentam índices de nitrato acima do permitido para o consumo humano.

Segundo Paula Ângela, esse problema é decorrente da alta concentração populacional e da ausência de esgotamento sanitário, além da existência de terrenos baldios ocupados por lixo. “É o resultado da falta de controle ambiental e esgotamento sanitário. Infelizmente, falta consciência ambiental da sociedade e dos governantes. Outro problema é a escassez de recursos para a realização das obras que não dão conta da verticalização acelerada da cidade”, observou.

Com relação à situação dos poços da CAERN que estão contaminados, Ângela informou que os poços que estão com o nível de nitrato um pouco acima do tolerável recebem água de outros poços para diluir essa concentração até que se alcance um nível aceitável.

Contudo, aqueles que estão com o nível de concentração de nitrato muito elevado a solução é desativar, pois os mananciais que fornecem água para essa diluição, no caso a lagoa do Jiqui, na Zona Sul, e a lagoa de Extremoz, na Zona Norte, contam com uma estrutura de tubulação própria para o abastecimento, ou seja, para que seja providenciada a diluição da água nos poços contaminados seria necessário a instalação de novas adutoras nesses mananciais e isso  demanda recursos.

Ambientalista diz que desastre está em curso

As projeções feitas sobre o aquecimento da atmosfera preocupam pesquisadores e ambientalistas no âmbito do RN, pois o aumento gradativo do fenômeno poderá alterar o nível de mananciais como rios e açudes, o que acabará por comprometer o abastecimento tanto para irrigação quanto para consumo humano.

Segundo o professor doutor Elias Nunes, ambientalista e chefe do departamento de Geografia da UFRN, o estado climático do Rio Grande do Norte, que conta com  3 mil horas de sol por ano e uma temperatura média de 32 graus, é bastante vulnerável aos efeitos do aquecimento global tanto no litoral, por causa do avanço do mar quanto no interior, por causa do aumento da aridez. E analisando esse prisma, os prejuízos sociais serão imensos, pois 75% do território potiguar encontra-se no semi-árido.

“Do ponto de vista climático, teremos uma pluviosidade cada vez mais baixa e o aumento dos índices de seca, o que afetará a economia, pois causará queda na produção de grãos e inviabilizará a criação de gado, o que prejudicará a produção de carne e leite. Do ponto de vista social, essa crise derivada do clima contribuirá para um expressivo êxodo rural em direção à região metropolitana, onde já se concentram 42% dos 3 milhões de habitantes do Estado, agravando ainda mais o caos social urbano vivido nos dias de hoje, pois a cidade não oferece condições de emprego, moradia e segurança. Ou seja, as modificações climáticas influenciarão diretamente na estabilidade emocional da população aumentando o nível de estresse e agressividade, comportamentos observados com freqüência em regiões mais quentes”, presumiu Elias Nunes.

Diante dessas perspectivas, a grande preocupação do Estado deve se voltar para a questão do abastecimento, da preservação dos mananciais existentes, para a renovação dos lençóis freáticos responsáveis pelo abastecimento humano. E nesse contexto, Elias Nunes chama a atenção para dois fatores diretamente ligados à questão do abastecimento que são:  a questão natural de renovação e o problema do desperdício de água.

“De maneira geral, verificamos o desperdício através do mau uso da água, pois as pessoas insistem em limpar a calçada utilizando a mangueira em vez da vassoura e também o carro, tem a questão dos vazamentos através de canos furados, o tempo excessivo no banho, a questão da água potável que vai para a jardinagem, entre outras práticas que contribuem para a perda de água própria para consumo. Do outro lado, temos a impermeabilização do solo decorrente da expansão urbana sem planejamento e infra-estrutura de drenagem e esgotamento sanitário. Temos uma concentração cada vez maior de fossas que acabam por contaminar o lençol freático, que por sua vez não são renovados, pois a falta de um plano de drenagem apropriado acaba por canalizar a água decorrente das chuvas para o mar. Por outro lado, as lagoas de captação de águas pluviais que deveriam garantir essa renovação do lençol freático da região. acabam por receber esgoto clandestino, o que impermeabiliza o solo dificultando a infiltração, além de poluir com Nitrato”, explicou.

No caso de Natal, que poderá ser alvo de um grande êxodo rural, os problemas com o abastecimento independem do aquecimento global, pois do jeito que os mananciais estão sendo tratados, em pouco tempo poderemos verificar o colapso na produção de água potável.

“Esse desastre está em curso, pois na parte da cidade que compreende as Zonas Leste, Oeste e Sul, 75% do abastecimento é provido por poços artesianos e os 30% restantes vêm da Lagoa do Jiqui, que é um alargamento do rio Pitimbú, uma corrente de água que também está ameaçada. O problema é crônico e necessita de ações urgentes, pois os poços contaminados por Nitrato são diluídos pela água da lagoa do Jiqui, que é poderá desaparecer com a morte do Pitimbu. O mesmo fenômeno ocorre com a zona Norte, pois os rios que alimentam a lagoa de Extremoz também estão sendo agredidos. Ou seja, o tema do aquecimento global nos convoca para refletir sobre um grande problema que é a falta de água. E esse desastre só poderá ser amenizado quando a população fizer sua parte racionalizando o consumo e cobrando ações das autoridades públicas, que por sua vez deverão viabilizar a infra-estrutura necessária para a renovação dos nossos  mananciais e reservatórios. É urgente e necessário, o desenvolvimento e a implantação de planos diretores para drenagem, esgotamento sanitário, arborização, uso e ocupação do solo para que seja possível um planejamento adequado para o crescimento da cidade”, finalizou.

Projeto quer aproveitar água

Com o intuito de combater o desperdício de água potável com a irrigação de canteiros, praças e parques poliesportivos públicos, a Agência Reguladora de Serviços de Saneamento Básico do Município do Natal (ARSBAN) está elaborando um projeto em parceria com a UFRN que tem por finalidade aproveitar a água imprópria para o consumo humano proveniente dos poços desativados e das estações de tratamento de esgoto.

Segundo o diretor-presidente da ARSBAN, Urbano Medeiros, o desafio de poupar água não é uma preocupação apenas da agência reguladora, mas uma preocupação internacional e no caso de Natal, que foi edificada em cima de dunas que funcionam como uma esponja responsável pela infiltração de água para o lençol freático, a preservação e renovação desses reservatórios é imprescindível para garantir o abastecimento humano no futuro.

“Hoje temos 26 poços contaminados com nitrato que podem ser utilizados para regar os canteiros e logradouros públicos da cidade através do sistema de reuso. Por isso, estabelecemos uma parceria com a UFRN e estamos entrando em entendimentos com a SEMSUR e a SEMURB para viabilizar esse projeto. Essa ação faz parte das ações da ARSBAN para atender melhor os anseios da sociedade quanto ao controle, fiscalização e normatização dos serviços de saneamento básico. Tanto que fomentamos a constituição das associações de usuários de saneamento ambiental para estimular o controle social, também discutimos a obrigatoriedade dos hidrômetros individuais para as novas edificações e agora estamos elaborando esse projeto de reuso de águas impróprias para o consumo humano que deverá estar concluído em três meses”, disse.

O projeto visa a incluir no plano diretor de esgotamento sanitário da cidade de natal, a alternativa de irrigação de canteiros, logradouros públicos e parques poliesportivos através do reuso de água resultante da Estação Central de Tratamento de Esgotos, localizada no Baldo, a exemplo do que é feito pela Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (SABESP) no município de São Caetano do Sul que reutiliza a água resultante da estação de tratamento de esgotos do ABC Paulista.

De acordo com o professor Manoel Lucas, coordenador da base de pesquisas de Recursos Hídricos e Meio Ambiente da UFRN,  que é responsável por elaborar o estudo sobre o reuso das águas impróprias para o consumo humano, essa reutilização das águas  das água proveniente da Estação de Tratamento Central de Esgotos só aconteceria em um segundo momento, pois a estação ainda se encontra em obras.

Outra fonte de água imprópria para o consumo humano que pode ser utilizada de forma imediata para irrigação seria a água dos poços desativados pela CAERN por causa da alta concentração de nitrato, substância prejudicial para o homem, mas de extrema importância para as plantas. Segundo Manoel Lucas, o limite tolerável de nitrato (NO3) na água seria de 10 miligramas por litro de água, mas existem poços onde essa concentração estaria acima de 20 miligramas por litro de água.  “Estamos falando de algo sério, que visa contribuir para evitar o desperdício “.

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