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Um Hamlet do nosso tempo

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Ramon Ribeiro
Repórter

Poucas expressões são capazes de traduzir com tamanha força um sentimento de desconfiança generalizada com a política quanto: “Há algo de podre no reino da Dinamarca”. A célebre frase cunhada pelo dramaturgo Willian Shakespeare em sua mais famosa obra, “Hamlet”, se mantém viva no vocabulário popular quatro séculos depois de ser encenada pela primeira vez, e cabe como uma luva nos dias de hoje, onde a população de todos os países assiste aturdida a um mundo de movimentações escusas.

Escrito há quatro séculos, a obra-prima ‘Hamlet’ tem a capacidade de ser atemporal e dialogar com o mundo contemporâneo

Escrito há quatro séculos, a obra-prima ‘Hamlet’ tem a capacidade de ser atemporal e dialogar com o mundo contemporâneo

Mas a famosa frase não é a única da obra-prima do dramaturgo inglês que atravessou o tempo. Hamlet como um todo se mantém atual devido a sua capacidade de sempre dialogar com a época em que é encenada. Essa característica foi um dos motivos que levou a Armazém Companhia de Teatro a montar “Hamlet” em 2017, quando o grupo completou 30 anos de trajetória. Após pouco mais de um ano de circulação pelo Brasil com o espetáculo – e de angariar vários prêmios  com a peça –, a Armazém chega a Natal para mostrar ao público potiguar a festejada montagem. A apresentação acontece nos dias 14, 15 e 16 de setembro, no Cine Teatro de Parnamirim.

O novo espetáculo do grupo mostra um Hamlet do nosso tempo, mas sem forçar no diálogo com a atualidade. Segundo o diretor Paulo de Moraes, é importante tratar Shakespeare como se ele fosse um dramaturgo recém-descoberto e com algumas coisas urgentes a dizer sobre guerra, a loucura do mundo e os líderes políticos modernos.

“Hamlet faz um raio-x do homem. Fala da nossa realidade. É uma peça infinita, clara e popular”, diz o diretor por telefone à Tribuna do Norte. Para ele, a obra ganhou algumas montagens que acabaram tornando o dramaturgo inglês pouco acessível para alguns públicos. “Shakespeare foi um comunicador, um autor muito popular. Mas foi colocado em uma estante empoeirada, com montagens sem comunicação direta com o público”.

Na trama, a corte real da Dinamarca está mergulhada em corrupção, traições, assassinatos e manipulações. E nesse cenário está o príncipe Hamlet, cujo pai morreu repentinamente e cuja mãe casou-se em seguida com o irmão do falecido. Com tantas desconfianças, Hamlet se finge de louco para buscar a verdade e nesse processo ele se fragmenta de modo a perder o controle sobre si mesmo. Na opinião de Paulo de Moraes, o texto de Shakespeare retrata a destruição de uma ordem estabelecida.

Na versão do Armazém, o furioso Hamlet é interpretado por uma mulher, a atriz Patrícia Selonk

Na versão do Armazém, o furioso Hamlet é interpretado por uma mulher, a atriz Patrícia Selonk

Na versão do Armazém, Hamlet é interpretado por uma mulher, a atriz Patrícia Selonk, integrante da companhia desde a fundação. Além dela, estão em cena outros seis atores: Isabel Pacheco (Gertrudes), Ricardo Martins (Claudius), Lisa Eiras (Ofélia), Jopa Moraes (Laertes), Marcos Martins (Polonius) e Luiz Felipe Leprevost (Horácio). O figurino do espetáculo é assinado pela carioca Carol Lobato e pelo potiguar João Marcelino, parceiro antigo da Companhia.

Nesta entrevista com o diretor Paulo de Moraes, ele conta detalhes da montagem, os motivos que levaram o grupo a encenar um texto de Shakespeare depois de uma série de trabalhos autorais e a longa amizade dele com o João Marcelino.

Paulo, o que motivou vocês a pegar um texto pronto depois de trabalhos em cima de textos autorais, ainda mais sendo Hamlet, uma obra tão conhecida?
Foram vários motivos. Eu estava com desejo de trabalhar com uma obra não escrita por mim, que me permitisse trair o autor, entrar em um embate franco e direto com o texto. Eu estava sentindo falta disso. Ficava com uma relação muito afetiva com os meus textos. Ao mesmo tempo, queríamos um texto que nos representasse nesse momento que se vive no mundo. Então apareceu Hamlet. Serviu como desafio e resposta para muitas questões que estavam nas nossas cabeças.

Na versão do Armazém, o que está no centro da trama: o indivíduo ou a política?
A política é o epicentro. Mas a questão do pensamento individual não tem como sair. Hamlet é a história da destruição de uma ordem estabelecida. E é nesse ponto onde se percebe que o texto pode falar sobre o hoje. Para se ter uma ideia, basta ver palavras de sentido claro que estão perdendo o sentido, como Democracia. No espetáculo existe um diálogo com o tempo da gente, mas não é ilustrativo e literal. Não precisamos falar do Trump, impeachment. A obra já conversa com o mundo.

Em relação ao protagonista, no que o Hamlet do Armazém se difere de outras montagens?
Fizemos um Hamlet nosso. Ele não está simplesmente na pele da Patrícia, está na boca da atriz, na radicalidade dela e de todo o elenco, que dá uma verdade muito forte às cenas. É um personagem que não aceita a mentira, mas está envolto nela. A loucura não é só um fingimento, ela toma conta do cara. O Hamlet é furioso, ele reage, é provocador dentro dessa ordem estabelecida. E a ruína dessa ordem vem de dentro.

Vocês estão em circulação pelo Nordeste. Como tem sido a repercussão?
Natal encerra a turnê pelo Nordeste. Acho que a ultima vez que fomos a cidade foi há três anos. Mas assim, essa é a melhor circulação da gente pelo Nordeste. Estamos lotando em todos os lugares e a comunicação com o público tem sido ótima. Vimos que o espetáculo chegou nas pessoas. Só no Nordeste já batemos a marca dos 5 mil espectadores.

Na montagem de Hamlet você traz a parceria com o potiguar João Marcelino, que assina o figurino junto com a carioca Carol Lobato. Como é esta relação?
Amo o João Marcelino. É um dos grandes artistas que já trabalharam com a gente. Conheço ele desde o final dos anos 80. Lembro de ter conhecido o grupo Stabanada, do Carlos Nereu, e de ter convidado o João Marcelino e Fernando Athayde para trabalhar em Londrina. Ficaram quase dois anos com a gente. Trabalhei com o João ator, cenógrafo, figurinista e maquiador. Em Hamlet ele colaborou demais na visão estética de um tempo indefinido, que está na cenografia, figurino, música, vídeo. Ele ajudou a dar uma marca pictórica a peça.

Numa entrevista que fiz com o João ele disse que muitas das ideias do figurino surgiram depois do ensaio, quando saía para tomar umas cervejas pelo Rio.
O João estava hospedado em minha casa. De dia a gente trabalhava na montagem e à noite sai para tomar umas cervejas e conversar sobre teatro. E é sempre muito bom conversar com ele. O João é um homem do teatro. Tem muitas ideias.

Em 1994, o Armazém montou pela primeira vez um texto de Shakespeare. E João Marcelino já estava com vocês. Foi um espetáculo que contou com o Paulo Autran. O Armazém mudou daquela montagem para esta?
Na verdade, a primeira vez que montamos algo baseado em Shakespeare foi em “A Construção do Olhar”, uma peça que a gente fez misturando vários personagens. O João Marcelino atuou nessa peça. Foi um personagem inspirado em Otelo. E o Athayde também participou.  Seu personagem era baseado no Macbeth.

E sobre as mudanças do grupo? São 30 anos de existência!
O grupo ter completado 30 anos pra mim é só um número, uma data. O mais importante é o nosso trabalho diário, continuado. É nesse dia a dia que estabelecemos nossa linguagem. Nossa estética, nossa identidade, não é permanente. Não montamos um espetáculo pensando nessas coisas, “manter a linha” ou “fazer diferente”. Cada trabalho tem a ver com o mundo que estamos vivendo, as questões que passam pelo grupo, as parcerias, os novos integrantes. Tudo isso modifica a linguagem. O que pode definir a gente é que nossos trabalhos são trabalhos de pesquisa.

Serviço
“Hamlet”, da Armazém Companhia de Teatro (RJ)

Dias 14, 15 e 16 de setembro | Sexta às 20h, sábado e domingo às 19h

Cine Teatro de Parnamirm (Av. Castor Viêira Régis, 268, Cohabinal)

Ingressos: R$ 40 (inteira) e R$ 20 (meia-entrada)

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