Em alguns casos, essas grandes cidades são mais do que cenários, são as “personagens principais”, quase como que dominando toda a fotografia e o enredo do filme. Um exemplo disso é “Meia-noite em Paris” (“Midnight in Paris”, 2011), que assisti estes dias quase “profissionalmente”, para poder escrever este riscado.
Com roteiro e direção de Wood Allen (1935-) – homem do cinema, diretor, roteirista/escritor, ator e outras coisas mais –, “Meia-noite em Paris” mistura comédia, fantasia e romance. Tem no elenco Owen Wilson (que faz o papel principal do escritor Gil Pender), Rachel McAdams, Marion Cotillard, Carla Bruni, Kathy Bates, Léa Seydoux e Adrien Brody, entre outros. Foi indicado ao Oscar em algumas categorias, tendo vencido como melhor roteiro original. O filme gira em torno da estada da personagem Gil Pender – roteirista de Hollywood, mas que sonha ser romancista –, junto com a chatérrima noiva Inez e a família desta, em Paris. O dia é curtido na Paris de hoje. Mas em seus passeios solitários noturnos, bêbado numa primeira vez, Gil é levado, sempre à meia-noite, a uma Paris dos anos 1920, lugar e época que ela acredita serem de ouro. Lá ele encontra seus mitos: F. Scott Fitzgerald e Zelda, Ernest Hemingway, Gertrude Stein, T. S. Eliott, Picasso, Salvador Dali, Luis Buñuel e muitos outros gigantes. E Gil até se apaixona pela bela Adriana, que, dos anos 1920, deseja viver na Belle Époque. Há bastante nostalgia no filme, embora, ao final, a mensagem subliminar seja de que não devemos cair na ilusão de um passado de ouro, sejam os anos 1920 ou a Belle Époque. Devemos viver o nosso tempo, com as nossas próprias memórias, o nosso presente e o nosso futuro.
O filme é uma verdadeira celebração de Paris, a de hoje e a dos anos 1920 (com a exceção da cena que retorna à Belle Époque), que “protagoniza” a estória. Tem Paris para todo gosto: o Jardim de Luxemburgo, o Sena e suas pontes, a Igreja de Saint-Étienne-du-Mont, o Museu Rodin, a livraria Shakespeare and Company, o Hotel Bristol, a antiga casa de Gertrude Stein na Rue de Fleurus e por aí vai. Muitíssimos lugares para o turista conhecer e aproveitar.
“Paris fait son Cinéma”, por exemplo, discorre sobre o restaurante Paul, que fica no coração da Paris histórica, na Île de la Cité, na linda Place Dauphine: “graças a sua decoração parisiense retrô, Wood Allen pôde fazer dele cenário de uma das cenas noturnas mais românticas do seu filme”. Cita o Hotel Bristol, nos Champs-Élysées, onipresente no filme e na sua produção. Tem ainda a Deyrolle, famosa maison de taxidermia, na Rue do Bac, entre Saint-Germain Prés e os Invalides. E o deveras nostálgico restaurante Polidor, “a dois passos do [Teatro] Odéon”, que é “um verdadeiro cartão-postal de Paris”. Tem mais, claro. Questão do gosto das autoras, acredito.
Bom, caro leitor, qual o seu lugar em Paris? De ontem ou de hoje, presente ou não em “Meia-noite em Paris”?
De minha parte, vou repetir a declaração da mãe do meu pequeno João quando fomos juntos pela primeira vez a Paris: “Eu que pensava que o melhor de Paris era Paris”. A companhia importa muito. E, saudoso, voltarei mais no tempo, para, como homenagem a quem tanto devo, escolher a discreta Rue Cambon, no 1º arrondissemant, entre o Jardim das Tuileries e a Igreja da Madeleine. Pois ali, num hotel honesto, eu passei a minha primeira meia-noite em Paris, menino de calças curtas, na companhia dos meus pais. Um tempo que, infelizmente, não volta mais.