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Um mergulho existencial em Moby Dick

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Michelle Ferret
Repórter

Narrado pelo marinheiro Ishmael, embarcado no baleeiro Pequod, o centenário livro Moby Dick conta a história de vingança e ódio do capitão Ahab, quando ele quer perseguir a baleia (Moby Dick)  até “que ela solte um jato de sangue preto e boie com as barbatanas para cima”. A grandeza da baleia o incomoda tanto a ponto dele não aceitar suas próprias insignificâncias e limitações.

Pausa para a foto com elenco, direção eprodução de ‘Moby Dick’ no primeiro dia de encontro com o diretor Martín Erazo, que veio do Chile a convite do grupo

Escrito por  Herman Melville, o livro diz de forma metafórica sobre intolerância, violência e principalmente a não aceitação de si e do outro. O mar é o espaço existencial, que mesmo com os avanços tecnológicos, ele continua perigoso, oculto e indomável. Um dos pontos importantes do livro é quando Ishmael diz que o homem perdeu o “senso do pleno temor do mar”, numa analogia entre a alma humana e a profundidade de nós nesse mundo.  Afinal o que estamos fazendo aqui?

A história é ponto de partida para a montagem de Moby Dick, aprovada pelo Sesi São Paulo através da Casa de Zoé e Bobox Produções. Com início marcado para abril, a montagem tem previsão de término em junho e no dia 27 de julho, começa a temporada de três meses no Teatro Popular do Sesi, com apresentações gratuitas, com formação de platéia às quintas e sextas fechadas para as escolas públicas e aos sábados e domingos para o público em geral.

“A obra é uma boa metáfora. Existe um navio de partida para uma jornada e as pessoas acabam se adensando e cada uma tem um sonho particular que coloca nesse barco, um sonho que é coletivo. Nosso intuito, como já vem acontecendo com a Casa de Zoé é unir as pessoas e Moby Dick será assim”, disse César Ferrario quem assina a dramaturgia do espetáculo.

A formação da equipe surgiu de algumas vontades. Uma delas é o desejo de César de trabalhar com os clássicos, de falar da trajetória humana desse homem que deseja consumar esse ódio, essa vingança, que é a história de Moby Dick. Outro desejo é o de trabalhar com Martín Erazo, diretor do Coletivo Chileno “La Patogallina” que existe há 23 anos.

“Conheci Martín na primeira mostra de teatro que assisti em São Paulo em 2006, quando me encantei pelo trabalho do La Patogallina. Não só pelo trabalho técnico, mas também pelo trabalho coletivo e independente  que eles tem. No meu imaginário, ligava com a forma como a gente faz teatro aqui”, contou Titina grifando que está realizando um grande sonho.

Outro desejo é unir a produção de Arlindo Bezerra (Bobox). “Juntamos esses desejos, num momento em que apostamos em trazer Martín. E agregar para a Casa de Zoé mais atores e uma equipe que reúne aproximadamente trinta pessoas, entre cenógrafos, atores, músicos, figurinista, entre outros”, disse Titina.

Estiveram presentes no primeiro encontro com Martín Erazo no Tecesol, César Ferrário, as atrizes Titina Medeiros, Nara Kelly e os atores Igor Fortunato e Caio Padilha, que também estão em “Meu Seridó”,  Ênio Cavalcante e Giovanna Araújo do Grupo Facetas; João Júnior e Marcos França, potiguares radicados em São Paulo, o figurinista João Marcelino, o iluminador Rogério Ferraz, o produtor Arlindo Bezerra, Nathalia Santana e Talyta Yohana (da equipe de produção), o designer gráfico Filipe Marcus e os músicos Yves Fernandes (bateria) e Toni Gregório (cordas)

Além deles, vem uma equipe do Chile composta por seis pessoas entre cenógrafo, diretora musical, figurinista, uma pessoa responsável por bonecos e uma atriz que estará na oficina ministrada pela Escola La Patogallina durante as montagens que será aberta para grupos de teatro convidados e acontece em abril.

Para César Ferrário, Moby Dick só faz sentido porque ele é potencializado, adquire mais luz quando passa por uma dimensão continental. “Nossa embarcação vem de vários lugares e a vida nos interessa”.

Depois da temporada em São Paulo, o espetáculo deverá estrear no Rio Grande do Norte e no Chile.

Para falar um pouco sobre o processo de montagem, o VIVER conversou com a equipe. Confira:

Como será trabalhada a montagem, sendo a obra literária Moby Dick  apenas um ponto de partida? Ela terá elementos de nossa sociedade contemporânea?
Martín Erazo: O livro é uma inspiração, a essência, que tem a vingança como motor. Penso na natureza como uma força presente e permanecente, a relação de temor e enfrentamento. E um espaço de fragilidade desse mundo natural. O espaço de criação acontece em um universo paralelo e coletivo, onde cabem os improvisos e elementos que acontecerão com o tempo de montagem. Acredito no teatro de ação em que a imagem artesanal é fundamental para a relação com a emoção e tendo a música como condução e narração poética, não realista, fora do realismo. Quanto ao tempo, ritmo do espetáculo. 

César Ferrário: Martín não trabalha muito com o verbo oral em cena e isso diz muito do caminho estético que iremos seguir. A música é um elemento fundamental para o espetáculo. Assino a dramaturgia, mas sou muito mais um mediador do que um lugar definidor da história que iremos contar.  A escolha da narrativa, como uma boa obra universal, ela tem por característica tem uma manta de significados. É inevitável que ela estabeleça uma relação com o que vivemos hoje. Ela tem o poder e a força de falar sobre o nosso tempo. Obtusidades e pontos insolúveis de nossa sociedade. Cada um que faz sua leitura, espelha o seu próprio divino e seu lado sombrio. É inevitavelmente ela irá espelhar nosso tempo.

Titina Medeiros: O que liga muito o Moby Dick com nosso País é essa fome de ódio, a intolerância entre as pessoas. Estamos imersos num espaço que infelizmente esse desejo de vingança acaba levando a nossa história. E todo mundo é vítima do ódio, não existe vencedor nisso. A vida se torna impossível.  Quando leio, vejo que é também nossa história. O Chile também passa por isso. Desde as colonizações até as disputas pelos espaços de sobrevivência que temos hoje.

Vocês falaram que o espetáculo é pensado para sala de teatro com espírito de rua. Isso envolve a parte técnica e a essência de Moby Dick?
César: Concebemos o projeto pensando nessa independência. Com uma mobilidade cênica, na estrutura. A praça, a itinerância nos interessa,  viemos somados para isso. Para que os espetáculos não fiquem reféns dos equipamentos cênicos. Há uma expectativa de que o espetáculo não seja refém  também da língua, que ele possa ser compreendido por qualquer país do mundo.

Como vocês observam as fronteiras da arte, do teatro na América Latina? E como o coletivo Patogallina influencia para a montagem
Martín:  Penso que as trocas  entre os latino americanos são precárias, é mais fácil assistir espetáculos europeus do que dos países vizinhos. Precisamos mudar isso, de reforçar e construir um caminho que ainda não existe.

Penso que para mim é importante estar aqui para estabelecer uma fonte de criação na América latina para fortalecer o lugar de comunicação e encontro. Existem festivais em diferentes países, e nos países latino americanos são poucos. É a primeira vez que vou entender como acontece o processo criativo no Brasil.

Titina Medeiros: O Patogallina é um divisor de águas na minha vida. O que era muito lindo pra mim é que de alguma forma o teatro daqui estava muito voltado para o protagonismo. E quando vi o Pattogallina pela primeira vez, parecia que os egos não existiam. O que importava era a obra como um todo. A obra estava lá grandiosa na minha frente. Primeiro vem a obra e depois quem manipula a obra. E isso me trouxe encantamento. Quem é essa gente que faz teatro de uma maneira possível e que faz obras tão grandiosas como “Paloma Ausente”, em que dois atores manipulam uma porta e a função deles é fazer isso. E você observar os atores fazendo aquilo com grandiosidade. E você percebe que num simples elemento não é mais importante uma grande atuação, mas que a obra seja tão verdadeira que faz você desacreditar que existe tanta gente ali. A teatralidade é impressionante e é forte, é vida.

O que
Espetáculo ‘Moby Dick’ foi selecionado em edital do SESI SP e garante temporada no teatro do Sesi, na av. Paulista. Depois, Natal e Chile. A montagem é realizada pela Casa de Zoé e Bobox produções, com a presença do diretor do Coletivo La Patogallina, Martín Erazo.

Quem
Casa de Zoé é uma idealização de Titina Medeiros e César Ferrario, com o propósito de realizar ações culturais nas áreas das artes cênicas, música e audiovisual. A Casa de Zoé estreou com  “Meu Seridó”, em 2018

Moby dick
Direção: Martin Erazo

Dramaturgia e assistência de direção: César Ferrario

Elenco (atores/músicos): Titina Medeiros, Nara Kelly, Igor Fortunato, Marco França, Enio Cavalcante, Giovanna Araújo, João Júnior, Yves Fernandes e Toni Gregorio. 

Assessoria de dramaturgia: Marcio Marciano

Direção de arte: João Marcelino

Assessoria de direção musical: Alejandra Muñoz

Cenografia: Eduardo Jimenez

Figurino: João Marcelino e Antonio Sepulveda

Desenho de iluminação: Erasmo Cubillos

Preparação corporal: Sandra Figueroa

Máscaras e Bonecos: Tomas Oryan

Coordenação de produção: Arlindo Bezerra

Produção executiva e social media: Nathalia Santana

Produção de logística e secretariado: Thalita Yohana

Registro videográfico: Carito Cavalcante | Designer gráfico: Filipe Marcus

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