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Um muro chamado timidez

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Tádzio França
Repórter

Todo mundo já se sentiu inibido ou desconfortável em alguma ocasião que exigiu interação ou decisão. O problema é quando esses sentimentos deixam de ser ocasionais e se tornam constantes, atrapalhando a vida pessoal em vários níveis. A timidez é uma barreira que, em  casos mais graves, exige uma ajuda externa para ser superada. O psicólogo Diego Silveira pesquisa o assunto há sete anos, convocando os tímidos a saírem da toca e, a partir de terapias em grupo, entender e confrontar suas dificuldades.

“Ser tímido não é um problema. O problema é sofrer com isso ou fugir das situações sociais”, afirma Diego, que trabalha com grupos de enfrentamento à timidez desde 2008, quando ainda era estudante de psicologia na UFRN. A pesquisa é realizada atualmente no Serviço Integrado de Psicologia (SIP) da UnP. É nela que o psicólogo aplica a Terapia Cognitiva Comportamental (TCC) em grupos de pessoas que, voluntariamente, participam das sessões.

Terapia em grupo

O Grupo de Enfrentamento à Timidez é uma psicoterapia que dura cerca de dois meses, com um encontro por semana. As turmas têm geralmente de oito a quinze participantes, além do terapeuta principal e um ou dois observadores. “A terapia ajuda na superação da timidez através de técnicas cognitivas que darão conta do registro e mudança de pensamentos disfuncionais, além de técnicas comportamentais que facilitarão a exposição guiada e orientada para a extinção do medo social”, explica Diego.

A terapia é dividida em dois blocos. Os seis primeiros encontros são dedicados a discutir os aspectos cognitivos e emocionais da timidez. É também estabelecido o treinamento de habilidades sociais – a assertividade é a principal. Os seis últimos blocos têm dinâmicas de grupo, práticas para simular situações cotidianas e de exposição social. Além disso, os pacientes constroem uma hierarquia de exposição: uma “escada” com situações a serem experimentadas, com grau de dificuldade crescente. “Cada um constrói sua hierarquia baseado nos objetivos e metas pessoais, já traçados nos primeiros encontros”, completa o psicólogo. Curiosamente, os grupos são formados na maioria por mulheres. As novas sessões começarão em 16 de abril.

A pesquisa de Diego Silveira investiga tipos diferentes de ‘ansiedade social’ – o termo técnico para timidez. O psicólogo, que está fazendo doutorado em neurociências no Instituto do Cérebro, acredita que a timidez também possui marcadores biológicos, hormonais e fisiológicos. “O cortisol salivar e a variabilidade da frequência cardíaca podem ajudar no diagnóstico diferencial entre dois subtipos de ansiedade social: generalizada ou específica (aquela restrita ao desempenho)”, analisa.

“Hoje, boa parte dos diagnósticos psiquiátricos é baseada unicamente em relato e observação de sinais e sintomas, inexistindo critérios de base biológica. E aí entra a contribuição das neurociências e da psicoendocrinologia comportamental”, explica Diego. Mesmo assim é sabido que as origens da timidez são as mais variadas possíveis, já que se parte do pressuposto que o comportamento humano é multideterminado.

A timidez pode florescer em contextos diversos, de influências genéticas e criação dos pais, até  interferências de grupos e eventos traumáticos. “Algumas pessoas desenvolvem o transtorno de ansiedade social em contexto muito específico, como por exemplo, situações de desempenho: falar em público formalmente, entrevistas de emprego, reuniões, palestras etc. Nesse exemplo geralmente o fator externo é mais relevante, o medo social é adquirido pela experiência do indivíduo”, diz. Diego ressalta que o caso mais recorrente é o medo de falar em público em situações de desempenho.

Fobia social

Quando o acanhamento adquire a característica de um transtorno, é o momento de se pensar em alguma ajuda externa. “A timidez começa a prejudicar no desempenho acadêmico, na vida pessoal ou no trabalho. A pessoa pode perder oportunidades de emprego, ser demitida, recusar cargos e promoções por medo de falar em público ou medo de liderar equipes. Pode ter dificuldades de fazer novos amigos e também de paquerar, convidar alguém pra sair e passear. Pode se prejudicar em vários âmbitos: na escola ou universidade, o estudante tem dificuldade de tirar dúvidas, dar opinião, propor ideias novas, medo de falar com orientador, etc.”, lista.

Em casos mais graves, a timidez pode até mesmo evoluir para um quadro de fobia social. “O foco da nossa proposta de tratamento é atender pessoas com fobia social ou ansiedade social. Isso requer um diagnóstico psicológico, feito através de entrevista e instrumentos psicológicos. A timidez pode sim  prejudicar a vida de uma pessoa e então ser considerada uma fobia social, uma vez que atende os critérios temporais (seis meses pelo menos com os sintomas), prejudica a normalidade funcional”, diz.

 O psicólogo faz questão de ressaltar que a timidez, no limite da normalidade, deve ser vista apenas como uma característica da personalidade de cada um. “A sociedade capitalista atual valoriza a personalidade extrovertida. Desse modo, a introversão é usualmente vista pelos leigos como uma fraqueza. E por consequência a timidez também. Mas introversão não é doença. Algumas pessoas não funcionam bem em grupo. Os introvertidos devem ser respeitados em sua individualidade e podem produzir bastante, mas precisam de tratamento diferenciado”, diz. O próprio Diego conta que já sofreu muito com a timidez na adolescência. “Estar na pele de um ansioso social nos deixa mais motivados pra ajudar as pessoas”, diz.

Timidez consciente

Um estudante de jornalismo muito tímido? Acontece.  Foi essa encruzilhada que fez João Pedro Souza, 20 anos, procurar o Grupo de Enfrentamento à Timidez, no ano passado. “Não conseguia mais interagir e me comunicar direito. Eu fugia das das pessoas e das oportunidades. Até que soube do grupo pela internet e decidi me dar essa chance”, diz.

A terapia permitiu ao estudante   listar e analisar as situações que mais o afligiam, e formas de conviver com elas. “A gente conversava bastante, e isso era ótimo. Era muita teoria que depois nós colocávamos em prática”, conta. Ele afirma que os avanços foram evidentes. “Estou mais tranquilo, mantenho uma conversa ao telefone sem gaguejar. Ainda me sinto tímido, mas as pessoas percebem a minha melhora. É um processo lento, mas agora posso controlar mais minha inibição”, diz.

O técnico em informática Marconi de Oliveira sempre se reconheceu como tímido, mas sentiu o problema aumentar a ponto de atrapalha-lo. “Conversas, reuniões, trabalho, amigos….a timidez estava perturbando todas as minhas relações. Tive que procurar ajuda”, conta. Após a terapia, se viu capaz de coisas que não fazia antes. “Agora converso numa boa com com pessoas de hierarquia maior que a minha, no trabalho, na faculdade. Já cheguei a suar frio e ter taquicardia em algumas ocasiões. Isso não acontece mais. Já posso até dar uma entrevista como essa! Antigamente eu não conseguiria”, conclui.

Serviço:
Informações sobre o Grupo de Enfrentamento à Timidez: 99606-8905 (Whatsapp).

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