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Um olhar especial para os quilombos

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Mariana Ceci
Repórter

Foi em Capoeiras, maior comunidade quilombola do Rio Grande do Norte, onde residem cerca de 350 famílias, que a médica infectologista Carolina Damásio apresentou a sua tese de mestrado na tarde desta sexta-feira (25), Dia da África. Com o título “Eu não tinha ideia do que poderia aprender aqui… Educação das profissões da saúde para a competência cultural”, Carolina foi a primeira no Rio Grande do Norte a apresentar, em uma comunidade quilombola, uma dissertação de mestrado. A escolha do local não foi à toa: desde 2015, Carolina e outros profissionais da área da saúde do Instituto Santos Dumont (ISD), localizado em Macaíba, há cerca de 40 minutos do Capoeiras, atuam na comunidade através do projeto “Barriguda”, a fim de oferecer o acompanhamento pré-natal multidisciplinar para as gestantes. Paralelamente, os profissionais ensinam, por meio da prática, a estudantes da área da saúde as competências necessárias para atuar nas comunidades tradicionais – tema que foi escolhido por Carolina para ser abordado em seus estudos.

Pela primeira vez, no Rio Grande do Norte, uma dissertação de Mestrado foi apresentada em uma comunidade quilombola

Pela primeira vez, no Rio Grande do Norte, uma dissertação de Mestrado foi apresentada em uma comunidade quilombola

#SAIBAMAIS#Há quatro anos, parte considerável das mulheres de Capoeiras possuía um medo em comum: a gravidez. Com pouca assistência médica, pré-natal praticamente inexistente e dificuldade de locomoção até as unidades de saúde mais próximas,  a mortalidade materna e infantil  fazia parte da comunidade. Em 2014, a eclâmpsia, uma doença relativamente rara, que provoca convulsões durante a gravidez, atingia cerca de 20% das mulheres da comunidade, e o coeficiente de mortalidade materna foi de 223 óbitos em relação a cada 100 mil nascidos vivos. Quatro anos depois, no entanto, os índices de mortalidade materna chegaram a zero.

Aos poucos, os profissionais que iniciaram o projeto Barriguda que, em 2017, conquistou o prêmio de “Laboratório de Inovação sobre a Participação Social na Atenção Integral à Saúde da Mulher”, organizado pela Organização Pan-americana da Saúde (OPAS/OMS) e pelo Conselho Nacional de Saúde (OMS), passaram a atuar também no sentido de oferecer a estudantes da graduação as competências necessárias para atuar em comunidades quilombolas. Em parceria com a Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), foi criada a disciplina “Competência Cultural na Atenção à Saúde da Mulher Quilombola”, na qual Carolina é preceptora.
Renata Pacheco: projeto tenta oferecer o melhor cuidado, respeitando às raízes da comunidade

Renata Pacheco: projeto tenta oferecer o melhor cuidado, respeitando às raízes da comunidade

“A disciplina foi criada junto com as lideranças da comunidade. Nós sentamos e fomos construindo juntos, a partir das necessidades existentes e em conversas constantes com os moradores, aquilo que poderíamos abordar”, explica Carolina. Ao todo, 36 alunos já passaram pela disciplina, que oferece 10 vagas semestralmente. Os estudantes, inicialmente, passam por aulas teóricas que vão ensinar algumas das “competências culturais” na teoria, para que elas possam ser aplicadas na prática na comunidade. Aulas sobre religiões de matrizes africanas, a história e a cultura da comunidade e até mesmo estudos antropológicos fazem parte do conteúdo.

“Na primeira aula que temos na comunidade, não somos nós que atendemos. São as lideranças que conversam com a gente. A gente aprende, principalmente, a ouvir. A se despir de tudo que a gente acha que sabe, dos preconceitos, para tentar oferecer o melhor cuidado possível, respeitando a cultura e as raízes daquelas pessoas”, relata Renata Pacheco, estudante de medicina de 22 anos que, atualmente, cursa a disciplina e foi assistir à defesa de Carolina.

Liliane Moura: “Antes, a assistência era praticamente inexistente. Hoje a situação mudou bastante”

Liliane Moura: “Antes, a assistência era praticamente inexistente. Hoje a situação mudou bastante”

Não foram apenas as estudantes, no entanto, que se mobilizaram para ir até a comunidade. Desde cedo, moradores locais se organizaram para ir ao Centro Comunitário para assistir à defesa. “Antes, a assistência era praticamente inexistente. Havia um medo por parte de muitas mulheres em engravidar, porque elas sabiam que tinham a possibilidade de sofrer alguma doença e não ter médicos para atender. Hoje a situação mudou bastante”, relata Liliane Moura, de 23 anos, moradora de Capoeiras que foi atendida pelo Barriguda durante a gravidez.

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