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Um olhar na humanidade

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Cláudio Emerenciano
Professor da UFRN
O meu olhar e a minha alma se estendem no horizonte, mas muito além dos morros que cercam a cidade. Debruçados sobre as praias que a contornam, vigiam e permanentemente a inspiram. Essa é uma aliança com a qual a natureza celebrou com o nosso “Logus” desde a época dos Descobrimentos. Infundiu em seus habitantes, nesse percurso no tempo, alegrias fugazes e percepções nostálgicas. A enseada do rio é também uma espécie de refúgio, a partir do qual pescadores, marinheiros e viageiros de muitas partes do mundo a escolheram como porto seguro, singelo e acolhedor. Otoniel Menezes, poeta desse sentido e dessa vocação, e Jean Mermoz, herói da odisseia da aviação, que aqui viveu, capturaram a simplicidade predominante no seio de sua gente. Antes do consumismo e da egolatria se propagarem, Saint-Exupéry, amigo e irmão de Mermoz, em “Terra dos Homens”, legou reflexão universal, mas plenamente aplicável ao viver em Natal por muito tempo: “Quem luta apenas na esperança de bens materiais, não colhe nada que valha a pena viver”. Infelizmente, esse canto do mundo, paradisíaco e fascinante, foi deformado pela estupidez. Por isso se diz que nem sempre o que se convencionou chamar de progresso urbanístico, aqui e alhures, imanta a beleza natural com inovações “modernas”. Seria algo tão absurdo, inadmissível, irrealizável, impraticável, como destruir o Forte dos Reis Magos para reconstruí-lo e submetê-lo a uma concepção atual. Fora de cogitações. A visão das águas verdes do Atlântico envolve, encanta e inebria. Seduz e aponta para terras, nações, povos, culturas e pessoas distantes e heterogêneas. De algum tempo a esta parte, aproximados pelo fenômeno da globalização, através de instrumentos como internet, redes sociais e televisão. Mas a “aldeia global” jamais conseguirá excluir e destruir laços humanos genuínos, sedimentados onde se nasce ou se vive. Apesar de todos os conflitos e diferenciações de natureza eminentemente antropológica, cultural e sentimental, em nossos dias se constata que todos os homens são cidadãos do mundo. De uma forma ou de outra, há acontecimentos, identidades e sentimentos que a todos vinculam universalmente. Seja onde for. Foi o caso da vida notável, heroica, exemplar e contagiante de Nelson Mandela. Vida que, em si mesma, revelou a grandeza da condição humana. Sublimou-se pelo perdão aos seus algozes durante 25 anos. Quem perdoa cativa, fecunda e cria laços sem fim. As relações humanas reclamam esse conteúdo. Assim se perenizam.

 A humanidade um dia fará prevalecer a plena consciência do bem. O bem tarda, mas chega inevitavelmente. Há uma cultura do bem. Vencendo adversidades aparentemente intransponíveis. Crenças, atitudes, relações, normas, valores e ideais. Confúcio, antes do Cristo, já dizia que o tirano causava males incomparavelmente superiores às feras enfurecidas. O bem sempre triunfaria, independentemente do tempo no qual a sociedade estivesse submetida ao mal e ao arbítrio. Erasmo de Roterdam, em seu “Elogio da Loucura”, disse que “nada é mais simples e verdadeiro do que o Cristo, através de quem a humanidade se encaminha para o bem em sua totalidade, em sua plenitude: o amor infinito”. Mandela conseguiu que seu povo perdoasse, como ele, atrocidades, injustiças, ódio, violência, miséria e afrontas de toda espécie. Tudo infligido inicialmente por colonizadores ingleses e, posteriormente, por holandeses e seus descendentes. Algo somente comparável ao nazismo. Mandela foi estoico, paciente e obcecado na reconciliação do seu povo. Gandhi, João Paulo II e Mandela foram, entre outros, os maiores heróis do século XX.

Sábios antigos conceberam reflexões que varreram o tempo. Desafiaram filosofias e adotaram a máxima socrática do “quanto mais eu sei, menos eu sei”. Confúcio na China e Buda na Índia proclamaram a humildade e a simplicidade como qualidades essenciais à elevação espiritual do ser humano. Desde então, duvida-se que alguém se identifique com o próximo, seus sofrimentos, suas angústias e suas tristezas sem possuir esses atributos. A solidariedade germina a união entre os homens. Caminho de convergência entre os homens e Deus. A partilha não é, apenas, uma opção de vida. É um estado de espírito. Revela o sentido real da existência humana. A dimensão infinita da capacidade de amar dos homens. Jesus se utilizou das parábolas. Narrativas simples, belíssimas, que permitiam aos que O ouviam compreender com nitidez o sentido de sua mensagem e do seu testemunho. Há duas parábolas que me sensibilizam particularmente. Por revelarem a essência do amor. De sua dimensão transcendental. Uma é a parábola do Bom Samaritano, em que um homem socorre um desconhecido assaltado na estrada. Trata-lhe as feridas, coloca-o em sua montaria e o leva até uma hospedaria, onde lhe paga a hospedagem. Autoriza despesas adicionais e necessárias ao seu restabelecimento, as quais pagará em seu retorno. Outra é a do Filho Pródigo. Reveladora do amor infinito do Pai Celestial pelos homens. Sua ilimitada tolerância com as fragilidades e contradições humanas. Amor e perdão alicerçam a fé cristã. Eis o que deveria fundamentar, nos dias atuais, a maneira de ser de todos os homens. Pois o ódio e a violência são sementeira do mal. Em nada se justificam. Ser verdadeiramente homem é essencialmente amar. A felicidade se busca no âmbito e intensidade das relações humanas. A real substância das coisas se revela quando sua busca nasce no coração. Os homens são fragilíssimos. Basta contemplar as estrelas e perscrutar o universo. Mas somos filhos de Deus. O amor, a paz e o perdão nos vinculam a Deus. Sempre… Vivemos dias incertos e aflitivos em virtude da histeria e do ódio irrompidos em inúmeras partes do mundo. O homem ali se bestifica. Estiola-se. Decai e se avilta. Mandela foi profético: os homens ou aprendem a viver em paz ou se autodestruirão. Esse é o maior desafio do nosso tempo: vida ou destruição.

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