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Um olho a proa outra na popa

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Nelson Mattos Filho
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De repente olho para trás e percebo que velejei tanto por ai que quase não consigo enxergar de onde parti. A frase acima não é uma negação as minhas raízes náuticas, que sempre estarão vivas e florando em meu coração. Ela surgiu de algum cantinho secreto e ressentido lá no porão da alma.
Um olho a proa outra na popa
Em Janeiro de 2005 embarcamos com a cara e a coragem a bordo do Avoante para uma viagem em busca do incerto. Naquele ano éramos dois marinheiros de primeira viagem com ideais aventureiros e se declarando prontos para enfrentar a vida sobre o mar. Sabíamos tão pouco que nas primeiras milhas descobrimos que não sabíamos nada. Continuamos na mesma.

Nos poucos anos que antecederam a partida, e que coincidem até nas vírgulas com o nosso início no mundo náutico, lemos muito, ouvimos muitas histórias, conversamos bastante, indagamos, pesquisamos, reviramos biografias, refizemos planos, direcionamos objetivos, fizemos contas, demoramos a dormir, esvaziamos argumentos, visitamos inúmeros veleiros, porém, nada nos fazia crer que estávamos diante da verdade.

Os pontos não batiam com os is e precisávamos de mais, mas para isso precisávamos decidir caminhando entre a lógica, a verdade e a coragem. Fincamos pé na coragem e saímos para o mar em busca da verdade, porque a lógica é uma palavra abstrata demais para ser verdadeira.

Em cada onda que rompíamos e a cada sopro de vento que enfunavam nossas velas, descobríamos um novo segredo. Na esteira que se formava em nossa popa, escrevíamos encantados uma nossa nova história e assim o barquinho ia navegando em busca de novos horizontes. Na bagagem levávamos a imagem da família e a lembrança dos amigos que ficaram no cais perdidos em sonhos.

O mundo se abria feito um sonho na proa do Avoante e de repente não sabíamos o que fazer com todo aquele cenário que se mostrava fácil de alcançar. Os novos horizontes que saímos em busca, e que ouvíamos falar, agora era a mais feliz realidade. Não existe horizonte a alcançar quando um veleiro está a navegar, porque ele se transforma em infinito.

Uma vez um amigo perguntou por que não tínhamos ainda seguindo mais adiante. Para ele, nesses dez anos a bordo já deveríamos ter conhecido toda a costa brasileira e até ter dado duas voltas ao mundo. Olhei para ele – com um filme rodando em minha mente – tentei formatar uma boa argumentação, mas imaginei que nada do que eu falasse iria lhe satisfazer. E não satisfez mesmo!

 É difícil entender a cabeça de um morador de veleiro quando se está olhando do chão firme de um porto. Para quem planeja embarcar apenas para uma viagem de um ou dois anos, tudo pode parecer apenas uma questão de disciplina e motivação, porém, o enredo é outro.

Para quem vive a bordo, mudando de ancoragem apenas ao sabor da vontade que tiver e na hora que quiser, o ritmo pode até parecer estranho e difícil de entender, mas a melodia é fascinante.

Nesse segmento da náutica não existem idas e voltas, pois elas se fundem numa só. Não existem causas e sim consequências. Tanto a ida quanto a volta é consequência direta de onde sua proa está apontada e quem dita às regras e o destino são as marés e os ventos. Ai você pergunta: Como assim? – Será que você entenderia minha resposta?

Mas você deve estar se perguntando o porquê desse papo todo, que começou olhando para trás e agora envereda por entre um mar de filosofia de convés: Na semana passada recebi um puxão de orelha, através de email, do leitor Roberto Marinho, que se declara legítimo potiguar da gema, e se disse enciumado por eu falar tanto no mar da Bahia. Foi ai que olhei para a popa do Avoante e vi o quanto estou distante do meu porto. Mas será que eu ainda tenho um porto?

Caro leitor, o mar da Bahia me acolhe com o maior carinho e tem muito a ser falado. Sempre soube que chegar à Bahia de veleiro é fácil e o difícil é sair. É um dos melhores lugares do mundo para a vela de cruzeiro e se o velejador desejar conhecer um destino por dia com certeza terá imensa dificuldade em cumprir um roteiro, tamanha são as opções.

O litoral do Rio Grande do Norte é muito bonito e escrevi boas histórias sobre ele enquanto o naveguei. Por enquanto a Bahia está em minha proa até que os ventos mudem. E eles mudam sim!

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