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Um presidente cercado

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Merval Pereira
Vivemos situação ímpar na história recente, a de um presidente que para sobreviver precisa desmontar o próprio governo. Para seu desespero, Bolsonaro hoje tem pelo menos três ministros indemissíveis. Aos superministros da Economia, Paulo Guedes, e da Justiça e da Segurança Pública, Sergio Moro, juntou-se nessa crise da Covid-19 o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta. 
Paulo Guedes, porque representa a garantia de um caminho seguro na Economia, por mais que possa haver discordâncias pontuais sobre sua atuação. Nossa economia não resistiria à demissão do Posto Ipiranga, cuja presença na equipe do candidato Bolsonaro certamente foi fundamental para o apoio de uma classe de eleitores que normalmente não escolheria o capitão sem saber quem estaria no comando da economia. 
Se não tivesse anunciado com antecedência a presença de Paulo Guedes em sua equipe, o candidato do PSDB, Geraldo Alckmin, com Arminio Fraga a apoiá-lo, teria mais chances. 
O ministro da Justiça, Sergio Moro, tem outra razão para ser indemissível: desde que foi escolhido, com Bolsonaro já eleito, transformou-se na garantia de que o novo governo combateria a corrupção na linha da Operação Lava Jato. De lá para cá, mesmo tendo recuado em alguns momentos do confronto com uma linha mais radical de Bolsonaro, e de ter sido exposto a uma campanha de descrédito claramente política, Moro conseguiu manter-se símbolo do combate à corrupção, mais popular do que Bolsonaro, o que incomoda sobremaneira um presidente inseguro. 
Para cúmulo do azar de um presidente paranoico, em plena crise do novo coronavírus surge como guardião da saúde pública o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, em contraposição involuntária ao próprio presidente, que tomou para si o papel de inimigo da Ciência, relativizando a maior crise que o mundo já enfrentou em décadas recentes. 
Em momento tão grave, o presidente Bolsonaro tem dado mostras de desequilíbrio emocional perigoso, que emperra a ação de seu próprio governo. Ao postar ontem o vídeo de uma senhora pedindo o Exército nas ruas para reabrir o comércio e os negócios, Bolsonaro mostra que quer forçar uma confrontação com setores da sociedade civil e do próprio governo que são hoje majoritariamente favoráveis ao isolamento horizontal. 
O Supremo Tribunal Federal (STF) já proibiu o governo de fazer propaganda que fuja à orientação da Organização Mundial da Saúde (OMS) e do seu Ministério de Saúde, mas o presidente não se emenda. Vai contra o próprio ministro da Saúde, fazendo reuniões paralelas sem convidar Mandetta. 
Para mediar essa relação conflituosa, o ministro do Gabinete Civil, general Braga Neto, assumiu a coordenação do Ministério durante a crise, cabendo a ele o papel de interventor informal do governo. Garante que não haja contestações formais ao presidente, mas assegura que a orientação oficial seja dada por Mandetta, dentro de critérios técnicos, e não políticos. 
Bolsonaro atua de maneira paralela, criando seus próprios factoides e ameaçando com decretos que não se concretizam porque seriam o fim do equilíbrio institucional. No espaço cada vez mais reduzido em que atua, porém, ele faz estragos.
É o caso da ordem que deu para que todos os servidores do Palácio do Planalto que estão em regime de trabalho domiciliar voltassem a seus postos, o que provocou a renúncia de um chefe de setor burocrático que se recusou a colocar seus subordinados em perigo. 
Em entrevista ao programa “Os pingos nos is”, da Jovem Pan, Jair Bolsonaro voltou a criticar o isolamento horizontal, que Mandetta reafirmou precisar ser intensificado pela falta de material hospitalar, e defendeu uma “forma diferente” de isolamento. 
Bolsonaro, que anteriormente já havia ameaçado com um decreto reabrindo todo o comércio e foi obrigado a recuar, ontem disse que tem um projeto de decreto “pronto na minha frente, para ser assinado se preciso for, considerando atividade essencial toda aquela exercida pelo homem ou pela mulher, através da qual seja indispensável para levar o pão para casa.” 
Segundo ele, “entre morrer de vírus e de fome, depressão e suicídio, eu, como chefe de Estado, tenho que decidir. (…) vou assinar”. Se esse momento chegar, estaremos diante de uma crise institucional e humanitária sem precedentes, com o presidente da República usando seus poderes contra a saúde pública.
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