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Um regueiro guerreiro no América

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Felipe Gurgel – repórter de Esportes

Se crescer já é difícil, imagine então crescer sozinho, sem mãe, pai, avó e ainda com a responsabilidade de tomar conta de um irmão mais novo? Uma responsabilidade imensa para quem tem uma vida boa, estabilizado financeiramente e com recursos, ainda dá para resolver os problemas. Agora, o que esperar se essa pessoa nasceu no interior da Bahia, em uma família humilde e ainda teve que lutar para vencer as barreiras da vida, como o álcool?  Esse é apenas o início dos duros anos do volante Ricardo Baiano, que, dos seus 32 anos de vida, tem mais histórias de dificuldades para contar do que pessoas com o dobro da sua idade. Nascido na pequena cidade baiana de Mirangaba, Ricardo Abrão do Nascimento é filho de Maria Domice do Nascimento. Mas, o convívio com ela, durou pouco tempo. Logo depois de dar à luz ao futuro jogador, dona Maria teve que deixá-lo com a avó, já que teve que ir para Salvador, trabalhar e sustentar os filhos. Apenas aos seis anos de vida, que Baiano conheceu sua mãe. Mas, o que tinha tudo para ser um reencontro definitivo, foi interrompido por uma tragédia. Três anos depois de  retornar para sua cidade Natal, dona Maria faleceu. Aos nove anos, sem mãe e sem pai, já que nunca o conheceu, Ricardo Baiano passava pela primeira provação de sua vida.
O volante chegou ao América no início da temporada e, pela determinação em campo, virou ídolo
“É muito complicado perder a mãe. Como não sabia quem era meu pai, já que minha mãe nunca quis me dizer, fiquei só muito novo. Ainda dei sorte de poder morar com minha avó e depois com minha tia. Graças a Deus que não fui para o lado ruim da vida e sempre batalhei por tudo”, relembra Baiano.

Sem muitas perspectivas, ele foi morar com a avó materna. O convívio, mais uma vez, durou pouco tempo. A dona morte, mais uma vez, fez uma incômoda visita a casa de Ricardo Baiano e levou sua avó. Isso, dois anos depois de perder a mãe. Sem mais ninguém a quem recorrer, foi morar com uma tia, dona Nite, que a considera como sua segunda mãe. Não tendo como se sustentar, Baiano resolveu arregaçar as mangas e aos 13 anos, começou a trabalhar. Durante a madrugada, se virava em um açougue, esperando a carne para vender no mercado de Mirangaba. Quando saia de lá, já no fim de manhã, corria para uma panificadora, seu segundo emprego, para completar o dinheiro do mês.

O sonho de ser jogador de futebol persistia na cabeça daquele adolescente de apenas 15 anos de idade. Chances até que teve nos times de Mirangaba e das cidades vizinhas. Mas, mais uma vez, outra barreira se colocou a sua frente: ainda jovem, iniciou a vida no álcool, o que lhe tirou chances de se profissionalizar. “Comigo não tinha muita besteira não. Sempre que tinha um tempo livre dos trabalhos, ia para os bares beber. Comecei quando tinha de 12 para 13 anos. Parei há 10 anos, porque estava atrapalhando meu rendimento dentro de campo. Mas, quando bebia, perdia a noção de tudo, Ainda bem que nunca me envolvi com drogas e também com problemas com a polícia. Só fazia mal a mim mesmo”, revela.

Foi em uma bebedeira dessas, que conheceu seu melhor amigo, Nei. E, foi com ele que conseguiu a primeira chance como jogador de futebol profissional.

O ano era 1998. Ricardo, então com 18 anos, ficou sabendo que um dirigente do Ceará, estava na sua cidade atrás de jovens valores para jogar na equipe cearense. Mas, a necessidade de trabalhar, quase o impediu de realizar seu sonho. “Fiquei com medo de ir atrás do pessoal do Ceará por dois motivos: primeiro, eu sabia que não era o melhor jogador da cidade e não ia ter muitas chances. E o segundo, não queria arriscar sair da minha cidade, ir bater no Ceará, abandonar meu emprego e não ter sucesso. Mas, o dono da padaria em que trabalhava me disse que, se eu não conseguisse sucesso no futebol, poderia voltar que o emprego estaria garantido. Foi o incentivo que precisa. Fui embora”, afirma.

A viagem com destino a Fortaleza não saiu como Ricardo e os outros três amigos esperavam. Nenhum deles foi aproveitado nas categorias de base do Ceará. Sem perspectivas, foram tentar a sorte no Ferroviário/CE. E foi quando ela finalmente apareceu. E rápido. A passagem de Baiano pelas categorias de base da equipe cearense só durou uma semana.

 Mas, o sucesso e os bons contratados demoraram a aparecer. Muito por causa da sua pouca técnica com a bola nos pés. Foi quando ele decidiu mudar seu estilo e passou a se dedicar mais aos treinamentos. “Só comecei a ter boas chances, quando estava com 28 anos. Passei por 18 clubes até melhorar. Consegui isso a base de muito esforço e dedicação. Sempre, antes dos treinamentos, ficava sozinho, tentando aprimorar os passes, aprender a dar lançamentos. O pessoal até pensava que eu era maluco, de tanto que treinava. Mas, tive a minha recompensa”, afirma.

Perto de encerrar a carreira de jogador, Baiano já pensa no futuro. O seu principal investimento, atualmente, é na compra de terrenos, para construir casas e alugar. “Tem muito jogador que pensa que o dinheiro vai durar para sempre. Não é bem assim. Do que adianta sair a noite, gastar mil reais em bares? A única coisa é que ele vai ficar mil reais mais pobre. Eu não faço isso. Prefiro economizar para o futuro”, afirma.

Reggae é a fonte de inspiração

As noites de farras de Ricardo Baiano, na adolescência eram seguidas de uma trilha musical bastante particular. Para aplacar o azar no amor, os goles eram acompanhados de faixas da cantora Diana, famosa pelas músicas românticas no interior da baiana. Mas, a fase “bregueira”, como ele mesmo define, durava apenas nos momentos de porre. Quando se recuperava, o som sempre era o mesmo e vem sendo até hoje: reggae. Em quase todas as gavetas da casa do jogador americano, tem cd´s, dvd´s, pen-drives, todos contendo músicas e clipes dos maiores regueiros do Brasil e o mundo.

“Sou fã de reggae. Tenho mais de 500 cd´s. Bob Marley, Cidade Negra, Tribo de Jah e é claro, Edson Gomes. As letras dele são as melhores.  Já trabalhei como camelô e tem uma música dele que o título é esse. Vivia cantando ela”, revela Baiano.

Mas, o reggae é para Baiano uma fonte de inspiração. Suas letras, com mensagens de luta, batalha e superação, servem como um incetivo na hora dos treinos e jogos. “Levo meus cd´s para as concentrações, nos dias de jogos. Estou sempre escutando reggae. Me faz bem, as letras passam uma energia positiva, são situações que acontecem com todo mundo. Passei por muita coisa que são refletidas nas músicas. O reggae é a melhor coisa que existe”, revela.

Pensamento é no depois da carreira

Casado com Leidiane Alves de Sales há nove anos e pai de Richard de Victor Sales do Nascimento, de oito anos, Ricardo Baiano sabe que a família é a base para seu sucesso como jogador de futebol. Mas, devido às andanças pelo mundo da bola, a convivência com eles é complicada, no que diz respeito à presença física. Como os dois moram em Boa Viagem, interior do Ceará, o jogador americano passa boa parte do tempo sozinho, no seu apartamento em Ponta Negra. Mas, sempre que tem uma folga, ele viaja para encontrar seus familiares e rever os amigos. “Quando jogamos na sexta e o treinador Roberto Fernandes dá uma folga no final de semana, pego um voo para Fortaleza e de lá para Boa Viagem, para ver minha família. Quando não posso e fico em Natal, sempre estou pelo Centro de Treinamento. Às vezes, durmo lá mesmo. Ficar em casa, sozinho, não é nada bom”, afirma Baiano.

A vida de jogador de futebol é tão desgastante, que, segundo Baiano, a casa que mora em Boa Viagem/CE, foi construída sem sua presença por perto. “Comprei um terreno lá e comecei a construir a casa. Quando saí, estavam só as fundações prontas. Quando voltei, quase um ano depois, a casa estava toda pronta. Quem ficou tomando conta das obras foi minha mulher e meus sogros, a quem sou muito grato. Por isso, quando entrei na casa, fiz questão de convidar o pai e mãe da minha esposa para morarem com a gente, por tudo que eles nos ajudaram no começo da minha carreira”, agradece.

Mas, quando chega o período de férias, o destino do jogador e da sua família é sempre o mesmo: Mirangaba/BA. O encontro com os amigos e a visita da dona Nite, são obrigatórios na época das férias. “Nei é um amigo que tenho não só no futebol. Ele foi um cara que me ajudou muito e até hoje a gente tem uma afinidade de irmão. É um grande parceiro e sei que apesar de não ter sido um jogador profissional, ele vibra com a minha carreira, principalmente pela situação que eu vivia lá em Mirangaba. Fora seu Azis, Glaystinho e Solimar. Todos esses me ajudaram, de alguma maneira, para que eu tivesse o sucesso que tenho hoje em dia”, relembra.

Há dois anos, outra cidade entrou na rota de visitas de Ricardo Baiano. A capital da Bahia, Salvador, virou parada obrigatória depois que o jogador, finalmente, conheceu seu pai. “Em 2010, uma amiga da minha tia disse que tinha visto meu pai em Mirangaba, na época das eleições. Aí, quando cheguei lá, me deram o telefone da loja em que ele trabalhava em Salvador. Era uma vontade que eu tinha, de conhecer meu pai. Graças a Deus consegui e hoje nos damos bem”, revela.

Mas, se ausência dos familiares faz com que Ricardo Baiano fique triste, a torcida trata de fazer sua parte e dar moral ao jogador. Sempre que está passeando pela cidade, ele é parado para dar autógrafos, bater fotos ou, até mesmo conversar com os americanos. Um reconhecimento valioso, segundo o jogador. “A torcida do América é maravilhosa. Sempre me apoiou, está do nosso lado em todos os momentos. Gosto desse contato com os torcedores. As vezes, nós jogadores, não temos a dimensão do quanto somos queridos e até importantes para os torcedores. Por isso, faço sempre questão de atender a todos os americanos. Afinal, eles são a razão da existência da qualquer clube”, finaliza o volante americano.

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