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Um resgate cultural

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Ivan Maciel de Andrade                                                                                                           
Procurador de Justiça e professor da UFRN (inativo)    

No momento em que ressurge insidiosa e obscurantista misoginia, quero homenagear quatro escritoras que, durante certa fase da história nacional, conviveram de igual para igual e até mesmo com alguma superioridade com os maiores intelectuais brasileiros (do sexo masculino) da época, em reuniões quase diárias. Pelo menos, três delas eram muito bonitas. A outra, que não fazia parte das beldades, era simpaticíssima. Todas deixaram uma contribuição literária da mais elevada qualidade.

Entre 1930 e 1940, essas mulheres frequentavam assiduamente uma livraria que foi também uma das mais importantes editoras que tivemos até hoje: a José Olympio Editora. O “quarteto feminino”, como as denomina Lucila Soares em seu livro “Rua do Ouvidor 110 – Uma história da Livraria José Olympio” (Ministério da Cultura – Fundação Biblioteca Nacional), era formado por Lúcia Miguel Pereira, Dinah Silveira de Queiroz, Adalgisa Nery e Rachel de Queiroz. As três primeiras eram de uma beleza que impressionava não só os clientes como os famosos “habitués” da Livraria: Graciliano Ramos, Jorge Amado, José Lins do Rego, Murilo Mendes, Manuel Bandeira e outros mais. 

Lúcia Miguel Pereira é autora do mais completo e perspicaz estudo “crítico e biográfico” de Machado de Assis (1936). Segundo Álvaro Lins, um “estudo de compreensão humana e literária” do qual “se orgulharia, com toda certeza, o próprio Machado”. Escreveu, ainda, além da biografia de Gonçalves Dias, obras de ficção (que não alcançaram êxito) e ensaios literários que a consagraram.

Dinah Silveira de Queiroz era a mais elegante das quatro mulheres do grupo. Ao mesmo tempo, a escritora de maior sucesso de público, com o seu badalado romance “Floradas na serra”. Era considerada verdadeira “deusa” por escritores jovens que iam à Livraria José Olympio somente para vê-la e admirá-la de perto. Em 1954, publicou outro romance de grande repercussão: “A Muralha”.

Adalgisa Nery foi casada com o pintor Ismael Nery. Publicou em 1959 o romance “A imaginária”, com grande êxito editorial. Ao enviuvar, chegou a tornar-se motivo de paixão (secreta) de Graciliano Ramos e (declarada) de Murilo Mendes. Casou com Lourival Fontes, figura de relevo no governo Vargas. Abandonada pelo marido, ingressou na política e no jornalismo (com destaque nacional). Elegeu-se várias vezes deputada federal. Em 1969, foi cassada e sofreu perda dos direitos políticos.

Rachel de Queiroz sempre esteve acima de preconceitos, com seu jeito espontâneo e comunicativo. Surgiu para a literatura com uma obra, historicamente, de grande impacto: “O Quinze” (1930), publicada logo depois de “A bagaceira” (1928), de José Américo de Almeida, que iniciou o período de transformações temáticas e formais dos romances de 30. Seu “Memorial de Maria Moura” atingiu o status de best-seller. Era tradutora e cronista, com público leitor numeroso e apaixonado.

Essas quatro mulheres se somam a muitas outras (Cecília Meireles, Virginia Woolf, Katherine Mansfield, Simone de Beauvoir, Marguerite Yourcenar, Hannah Arendt) como símbolos do talento criativo e da própria genialidade do ser humano. Reverenciá-las constitui importante resgate cultural

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