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Um supremo magistrado

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Edilson Alves de França
Professor, ex-Magistrado e Procurador da República aposentado

No momento em que se avolumam críticas à postura e ao saber jurídico de certos integrantes do Poder Judiciario, se faz oportuno suavizar o denso nevoeiro, registrando o cinquentenário da aposentadoria de um exemplo extraodinário de exercício da magistratura. Aquela que transforma o homen em uma espécie de enviado de Themis, capaz de desempenhar suas funções, sem a pretensão de ser mais nem menos que ético e justo.

Refiro-me ao sempre lembrado desembargador Paulo Luz, detentor, segundo Jurandir Navarro, da mesma configuração moral e psicológica atribuida ao senador Traseia, que preferiu a morte, pelo suicídio, a vergar sua estatura moral para satisfazer ao imperador. A comparação não contém exagero algum. Na verdade, o mossoroense Paulo Luz, sempre foi considerado autêntico monumento moral, representante maior de uma geração de magistrados nostalgicamente lembrados.

O seu exemplo despertava fé na justiça, coragem, clareza d’alma e dedicação ao direito. Seus pronunciamentos, sempre brilhantes, levaram uma turma da nossa Faculdade de Direito a distinguí-lo com a escolha de seu nome para figurar entre os professores homenageados, mesmo sem pertencer à docência. Dizia ele que não se sentia habilitado para lecionar numa faculdade, negativa que somente confirmava a sua conhecida modéstia e o elevado senso de responsabilidade que imprimia às suas ações. Na Corte Eleitoral, como não poderia deixar de ser, a atuaçaõ de Paulo Luz sempre foi tida como efetiva continuidade de uma vida profissional tão pródiga em lições que, ainda hoje, os que tiveram o privilégio de conviver com ele têm dúvidas quanto à possibilidade de pertencer a uma outra dimensão. 

Simples, sincero, objetivo e avesso a hipocrisias, fez do seu discurso de posse a mais breve irresignação da história do Tribunal de Justiça. Sua curtíssima saudação à corte ecoou como uma severa crítica aos que lhe haviam negado o direito à promoção, somente depois assegurada pelo também inesquecível Supremo Tribunal de então. Nas controvertidas questões sobre as quais tivesse que se pronunciar, ficava sempre com a voz de sua consciência, perfilada em favor do fiel cumprimento da lei. Também por essa razão, foi sempre respeitado pelos críticos de sua sisudez e admirado por toda comunidade jurídica que o colocava num merecido pedestal de dignidade.  

Nem mesmo nos difíceis momentos da nossa vida política, a fibra de Paulo Luz cedeu à arrogância dos detentores do poder. Há um trecho do seu famoso voto no julgamento do pedido de cassação do Monsenhor Walfredo Gurgel, nas eleições de 1965, que bem revela a sua coragem moral. Diante de poderosas pressões que, na certa, não teriam ficado para a história se não fosse sua participação, Paulo Luz levantou a voz e documentou o fato, ao longo de inesquecível pronunciamento. A certa altura, declarando-se constrangido e inconformado, disse: “A ele (voto) empresto meu protesto. Protesto contra o envolvimento, as insinuações, as pressões que se fizeram sentir sobre os membros deste Tribunal, ora de forma clara, ora de forma sutil, visando determinado resultado…”

Assim era o magistrado, o professor, o amigo, o cidadão Paulo Luz. Infelizmente, levado prematuramente à presença do Criador, num triste 24 de maio de 1989. Seu desaparecimento ocupou pequenos espaços na imprensa. Não houve reverências fúnebres nem homenagens. Seu nome não consta de logradouros públicos, nem de placas, exceto a que o Des. Ítalo Pinheiro fixou no gabinete da Presidência do TRE. Talvez tenha sido melhor assim. Paulo Luz não precisava nem gostava de homenagens ou louvações. A filosofia, valores e significado que emprestava à vida eram bem especiais e próprios. Seus amigos estão certos ao assegurarem que ele pertencia a uma outra dimensão, a um outro ambiente, verdadeiramente supremo.

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