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Uma história do petróleo potiguar

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*Tomislav R. Femenick
Especial para a TRIBUNA DO NORTE

O exercício da memória me leva ao tempo em que eu morava em Mossoró e era correspondente dos jornais Diário de Pernambuco, Diário de Natal e O Povo, além de eventualmente escrever para o Jornal do Brasil, Folha de São Paulo e Correio Brasiliense.
Primeiro poço perfurado no Rio Grande do Norte pela Petrobras, em 1956, na localidade Gangorra, em Grossos: Expectativas
No dia 30 de dezembro de 1967 eu estava com um baita furo de reportagem, mas não tinha como transmitir a notícia. O normal era datilografar as matérias e envia-las via ônibus para Natal, Recife e Fortaleza e, pelo correio, para o Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília. Assim as reportagens levavam dias para serem publicadas.

Ligações telefônicas não existiam. Usar o teletipo dos Correios nem pensar; já me tinha sido negado. O jeito foi apelar para Moacir Gomes, um radioamador meu amigo. Consegui transmitir um texto curto que saiu no dia seguinte: “A escavação de um poço com a finalidade de encontrar água fez com que, ontem, na Praça Padre Mota, no coração de Mossoró, jorrasse petróleo abundantemente, de uma profundidade de 645 e 650 metros. O primeiro jorro de petróleo em Mossoró ocorreu em fins de 1955, julgando os técnicos de então (inclusive alguns norte-americanos) que as pesquisas deveriam ser abandonadas, estando a Petrobrás ausente daquele centro potiguar. A perfuração do poço estava, ontem à noite, em sua fase final, devendo hoje ocorrer a retirada dos aparelhos de escavação”.

Nos primeiros dias de 1968 houve ampla divulgação na imprensa nacional.

Características
A bacia sedimentar costeira do Rio Grande do Norte apresenta uma série de condições estratigráficas (sequência de rochas), configurações paleogeográficas (formação da superfície terrestre nas épocas geológicas passadas) e estruturais de importância para a pesquisa de petróleo. Trata-se de uma bacia marginal, oriunda de uma subsidência ponderável, efetuada em fins do período mesozoico (tempo durante o qual as rochas foram formadas), comportando camadas marinhas que alcançam mais de mil metros.

Alguns pontos de drenagem de água existentes nos arredores das cidades de Mossoró, Apodi e Caraúbas eram suficientes para sugerir melhores pesquisas estruturais da geologia de superfície. Pela simples combinação e superposição de elementos fisiográficos e geológicos (estudo da superfície e da estrutura terrestre, respectivamente), duas áreas há que justificavam a suposição de jazidas de petróleo nesta região: a zona localizada entre o baixo Jaguaribe e o Rio Mossoró, junto às encostas da Serra Mossoró, e a localizada entre o Rio Mossoró e o Rio Piranhas-Assú, próximo à chapada do Trapiá.

A Petrobras e o começo das perfurações

Após sua criação em 1953, a Petrobras continuou os estudos e definiu uma bacia sedimentar de idade cretácea, próxima à costa, e, em 1956, realizou duas perfurações; uma na localidade de Gangorra, no Município de Grosso, e outra no Município de Macau. Estudos geológicos e geofísicos admitiam uma coluna sedimentar pouco espessa, com largura de 100 quilômetros e um comprimento de 250 quilômetros.

As perfurações confirmaram essa coluna geológica pouca espessa, tendo um dos poços, o de Gangorra, atingido o embasamento cristalino a 1.025 metros, e o de Macau perfurou até 1.262 metros. A correlação entre os dois poços evidenciou uma boa possibilidade de ocorrência de petróleo. Indícios de óleo seco e material pirobetuminoso (uma das maiores fontes potenciais de hidrocarbonetos no mundo)  foram encontrados logo nos primeiros 350 metros do poço de Gangorra, em uma seção de calcário. Logo abaixo nos evaporitos (calcário e dolomitas), a partir de 400 metros de profundidade apareceram numa seção formada de folhelhos, siltidas e arenitos, vestígios mais significativos de óleo e gás. Tendo a análise deste último mostrado a presença de metano.

A quantidade de óleo não foi considerada para exploração comercial. Esses vestígios, entretanto, proporcionaram à Petrobrás um dado valioso: a bacia sedimentar da costa do Rio Grande do Norte possuía condições de gerar petróleo, apesar da pequena espessura dos sedimentos. Em 1965, a Petrobrás enviou uma nova equipe geológica de superfície à área, com o objetivo de estuda-la detalhadamente e colher dados em terras que pudessem ser estendidos para a plataforma continental, uma vez que os trabalhos anteriores mostravam que a Bacia Potiguar se alongava e penetrava no mar.

Um Saco de Petróleo

Em agosto de 1967, quando um operário retirava as ferramentas de perfuração de um poço que uma subsidiária da Sudene, a Companhia Nordestina de Perfuração de Poços-CONESP, fazia na localidade Saco, na periferia da cidade de Mossoró, e que tinha por objetivo localizar água para o abastecimento da cidade, foi surpreendido por um jato de óleo. Este veio acompanhado de lama e de saída de gás metano. Nessa ocasião, o poço atingia a profundidade de 378 metros.

A infiltração do óleo foi isolada e perfuração continuou, sempre com os mesmos indícios. Aos 389 metros, nova infiltração, desta vez com mais força e com mais quantidade de material, agora um líquido negro e viscoso, com forte cheiro de alcatrão. A uma profundidade de 402 metros mais óleo e em todas as imersões da sonda ainda se registrava a presença de óleo. Amostras do óleo extraído do poço perfurado pela CONESP foram enviadas ao laboratório da Região de Produção Nordeste da Petrobrás, então sediada em Maceió-AL. Os exames ali realizados constataram o que já era esperado: o óleo encontrado na perfuração da localidade Saco era petróleo mesmo. Petróleo asfáltico, do qual o Brasil precisava e não possui nenhuma jazida localizada.

Técnicos da Petrobrás visitaram o poço da CONESP e descreveram a presença de seu óleo “como proveniente da seção eclástica, constituída de folhelho e siltícos”, conhecido na literatura especializada sobre a região como formação Apodi e que se correlacionavam “com os mesmos horizontes encontrados pelos poços da Gangorra e Macau”.

Em outra etapa a estatal, através de sua Turma de Geologia-6, efetuou na área de Mossoró um mapeamento usando o sistema de mergulho e inversão das rochas, cujos resultados mostraram uma pequena estrutura anticlinal (uma dobra cujos flancos se voltam para baixo e cuja convexidade se volta para cima). Ainda a procura de vestígios de petróleo a empresa fez uma perfilagem eletrônica em um poço profundo perfurado pelo Departamento Nacional de Produção Mineral-DNPM, o que evidenciou a existência de uma importante formação de folhelho formador de petróleo, formação esta de cor escura e de igual aspecto ao encontrado no recôncavo baiano, então a região de maior produção de petróleo no território brasileiro.

“Óleo na praça”
Se os mossoroense já tinham petróleo no seu pensamento, no seu coração, isto é, passaram a tê-lo no coração de sua cidade. Isto ficou provado quando, novamente, o óleo negro jorrou ao serem retirados os tubos de revestimentos do poço profundo escavado pela Companhia de Águas e Solos-CASOL, empresa estatal do Rio Grande do Norte, no centro de uma praça, a Praça Padre Mota, em 1967. O poço era resultado de um convenio assinado pelo Prefeito de Mossoró, Raimundo Soares, com o governador do Estado, Mons. Walfredo Gurgel. Desta vez o petróleo estava a uma profundidade entre 647 e 650. Os técnicos da CASOL declararam que o óleo deste poço provém de uma lente (veio sem possibilidade comercial), mas que serviu para se juntar aos outros antigos e novos subsídios que deram base para os estudos da Petrobrás.

A pergunta que se fazia era: se há petróleo por que a Petrobrás não fez logo uma porção de poços para resolver o assunto de uma vez por todas? Seria uma boa pergunta para se fazer. No entanto a empresa não estava totalmente ausente da região. Periodicamente, turmas de técnicos, com capacetes de aço com o logotipo da Petrobrás neles estampados, escavacam o chão mossoroense e foram realizados levantamentos aeromagnéticos, gravimétricos e sísmicos na plataforma continental fronteiriça ao Estado do Rio Grande do Norte e seus vizinhos, do Ceará a Pernambuco.

Estudos e “lutas” tiveram início no século 19
A história dos estudos, pesquisas e lutas pelo petróleo potiguar se iniciou no século XIX, quando o padre Florêncio Gomes de Oliveira, por volta de 1852/1853, fez a primeira referência ao assunto, ao citar a ocorrência de uma substancia inflamável na Chapada do Apodi. Segundo o historiador Vingt-un Rosado, o registro está em uma ata da Câmara de Vereadores de Apodi: “Em um dos recantos da lagoa desta vila tem-se coalhado, em alguns anos, uma substância betuminosa, inflamável e de boa luz, semelhante à cera, em quantidade tal que se pode carregar carros dela”. Uma publicação da Petrobras afirma que este foi o primeiro registro de “ocorrências de indícios de petróleo em território brasileiro”.

Padre Florêncio foi o segundo Mossoroense ordenado sacerdote da Igreja Romana, fato ocorrido em nove de junho de 1838. Foi estudioso de botânica, zoologia e geologia, jornalista, poeta e deputado por três legislaturas consecutivas, na Assembleia Legislativa da Província do RN. Nasceu em Monte Alegre ou Quixaba, em São Sebastião (hoje Governador de Dix-Sept Rosado); então distrito de Mossoró.

No início do século XX, em um açude do Município de Caraúbas foi encontrado um betume pastoso enquanto fresco, mais que, quando exposto ao sol e ao vento ficava duro e quebradiço. A população local usava essa substância para a iluminação de suas casas. Análise procedida pelo farmacêutico e químico Jerônimo Rosado relevou que o betume era resultado de surgência espontânea de petróleo.

Ocorrências
Em 1922 o geólogo americano John Caster Branner, presidente emérito da Stanford University da Califórnia e que dirigiu expedições de estudos ao Brasil em 1899 e 1907, publicou em New York o estudo “Oil Possibilities”, onde apontou indicações favoráveis de ocorrências petrolíferas do Brasil, destacando como áreas as “formações terciárias costeiras, que se estendem com interrupção até Cabo Frio, perto do Rio de Janeiro e o Maranhão (…). Parece inteiramente possível que esta zona contém petróleo onde ela se alarga para o interior, como na Bahia, até 300 milhas, Mossoró, no Rio Grande do Norte, e Maranhão”.

Os trabalhos publicados como resultados de estudos sobre a Bacia Potiguar prosseguiram com Luciano Jacques de Morais (datados de 1929, 1932 e 1938), Avelino Inácio Oliveira também (de 1938) e os geólogos americanos Mac Naughton e Evereter L. De Golyer (1945 e 1947) todos indicando a possibilidade de ocorrência de petróleo no RN.

Entretanto, só em 1949 o Conselho Nacional de Petróleo autorizou levantamentos geológicos e geofísicos, no “wildicat” (zona onde se supõe existir petróleo, por dados vagos ou superficiais) mossoroense. Nessa época, outros indícios apontavam a existência de petróleo na região: a descoberta de água salgada a grande profundidade, na abertura de um poço no quilômetro 15 da Estrada de Ferro Mossoró; aparecimento de gases em cacimbas abertas do Chapadão do Apodi e manchas de óleo sobre a água de uma cacimba em Riacho da Mata.

Cautela sobre potencial e os custos
Diziam os porta-vozes da Petrobras que, em matéria de petróleo, as
coisas têm que correr dentro de um calendário que não pode ser violado,
sem que se corra perigo de graves erros, às vezes até vitais do ponto de
vista técnico. A empresa do monopólio estatal estaria seguindo este
calendário. Segundo esses representantes, apesar dos progressos feitos
pelos estudos sobre a região de Mossoró e da seriedade com que se
acompanhava o desenrolar das descobertas que revelam as riquezas do
subsolo da zona oeste do Rio Grande do Norte, calculava-se que somente
com mais alguns anos e que se poderia, saber com maiores e melhores
detalhes, o que de real existia e qual a potencialidade do lençol
petrolífero que se deixava despontar nas perfurações que eram procedidas
na região, até quando seu objetivo era simplesmente a procura de água.
O presidente Geisel fez pressão para intensificar a busca de óleo
Seguindo
era “time” próprio, equipes de gravimetria fizeram levantamentos das
áreas prioritárias e que apresentam maiores possibilidades de possuírem
óleo, enquanto que em outras áreas da Bacia Potiguar outros trabalhos e
estudos eram realizados por equipes de sismo-reflexão, geologia e de
aerofotogrametria.

Os grandes problemas eram: todas as medidas da
capacidade dos poços onde existia ocorrência de óleo eram realizadas
considerando-se somente a surgência espontânea, desprezando-se a
possibilidade de captura estimulada pela injeção de gás e/ou água; em
todas as perfurações a quantidade de óleo era pequena, quando comparada è
média aceita pela indústria internacional de petróleo, e o custo de
extração do petróleo potiguar era superior do preço de venda do óleo
bruto.

Em síntese: naqueles anos a exploração do petróleo de
Mossoró, da Zona Oeste do Estado, do Rio Grande do Norte e de toda a
Bacia Potiguar (inclusive a sua parte que alcança o Estado do Ceará) era
economicamente não recomendável pelo resultado desfavorável da relação
“custo x benefício”; os custos seriam maiores que as receitas que
poderiam ser auferidas.

Crise
Essa situação perdurou
até o dia 6 de outubro de 1973, quando ocorreu a primeira crise
internacional do petróleo do pós-segunda grande guerra, como
consequência da chamada Guerra de Seis dias (ou a guerra do Yom Kippur).
Nesse dia, Egito e a Síria fizeram um ataque militar surpresa a
posições de Israel, porém foram derrotados em apenas seis dias.
Derrotados, mas os países árabes – aliados do Egito e da Síria – eram os
maiores produtores de petróleo do mundo. Usaram a Organização dos
Países Exportadores de Petróleo-OPEP para pressionar os países que
apoiaram Israel e reduziram a produção em 5%.

Na ocasião o preço
médio do barril de petróleo era de US$ 2,90. Em apenas três meses subiu
para US$ 11,65 e chegou em US$ 40.00. Nos Estados Unidos, na Europa e
também no Brasil grande importador do “ouro negro” tornaram-se comuns
grandes filas de veículos nos postos de combustíveis, espetando ser
abastecidos. Então, além do aspecto meramente econômico, o petróleo
ganhou uma outra feição: passou a ser uma commodity estratégica.

De
início, o governo militar não tomou nenhuma providência, porém em março
do ano seguinte, o presidente Ernesto Geisel, pressionou a Petrobras
para que intensificasse a busca de óleo em todas as áreas onde houvesse a
possibilidade de sua existência. Como resultado do novo cenário, foi
iniciada a primeira perfuração na plataforma continental da Bacia
Potiguar, na costa de Macau. Esse poço, o RNS-3, começou a ser explorado
em 1975. O fato provocou a visita do presidente Ernesto Geisel a Macau,
em companhia do seu ministro de Minas e Energia, Shigeaki Ueki.

*Tomislav R. Femenick é historiador, membro da diretoria do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte.

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