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Uma livraria muito estranha

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Ivan Maciel de Andrade                                                                                                            
Procurador de Justiça e professor da UFRN (inativo)                                                               
Um dos melhores programas que Buenos Aires proporciona é a encantadora visita às livrarias. Buenos Aires está num dos primeiros lugares no ranking mundial de cidades com maior número de livrarias por habitantes. E que belas livrarias! Além disso, encontramos traduzidas para o espanhol não só as obras clássicas como as que constituem recentes lançamentos ocorridos em qualquer idioma. 
Mas não tenho gosto sofisticado em matéria de livraria. Também gosto das pequenas e médias livrarias e dos sebos. Percorro as prateleiras de livros com tal interesse que não sinto o tempo passar. Vou olhando as lombadas, retiro alguns livros da estante e desfruto da ótima sensação de ler páginas avulsas, prefácios, orelhas ou abas. Às vezes encontro livros que procurava há muito tempo, que tinham edições esgotadas e voltaram a ser editados. Outras vezes me surpreendo com títulos de autores, nacionais ou estrangeiros, que ainda não conhecia. Algumas novas edições são de tão boa qualidade que tornam irresistível a compra de livros que já foram lidos e relidos em passadas épocas. 
Muitos leitores têm a paixão de bibliófilos: colecionam primeiras edições, garimpam livros raros por todos os meios lícitos e até mesmo ilícitos (apropriações indébitas) e talvez sintam mais prazer em possuir os livros do que propriamente em lê-los. O escritor Alberto Manguel, argentino-canadense, tem várias obras sobre o seu amor pelos livros, sobre sua obsessão de bibliófilo e sobre a importância da leitura. “Ler é um ato de poder”, diz ele. O leitor pode transformar a sociedade, já que se habilita a transformá-la através do discernimento e da capacidade crítica que a leitura lhe confere. Por isso é tão necessário que existam bibliotecas públicas, além de livrarias. Elas ajudam a criar o hábito da leitura.
Todo escritor, por mais elitista, espera ter um grande número de leitores. Se possível (por que não?), transformar-se em best-seller. Quem escreve, escreve para um leitor imaginário. Não é sem razão que Machado de Assis sempre dialoga, em seus romances, contos e crônicas, com um leitor ora superficial, ora limitado (de compreensão difícil), mas exigente, que o escritor geralmente subestima, provoca, ironiza. O melhor de tudo é que Machado se propõe a ensinar a esse leitor hipotético como deve ler, para que possa, então, perceber as sutilezas, os subentendidos, as inovações de seu texto.
Agora, imagine-se uma livraria em que todo o acervo se constitui de obras encalhadas, custando qualquer uma delas apenas vinte reais. Não há vendedor, ninguém que receba sequer o pagamento do livro – o preço irreal e depreciativo pelo qual é vendido. Há uma máquina de cartão para que o comprador, ele próprio, realize o pagamento. Medo de calote? Nenhum. O prejuízo seria tão pequeno que vale a pena correr o risco. Pergunta que qualquer um se faz: se a loja vendesse outros produtos, haveria idêntica confiança? Por sinal, a mesma rede oferece e-books por alguns centavos.
Essa livraria fica no aeroporto de Curitiba. E já foi objeto de reportagens. Os livros são novos, semelhantes aos que são vendidos, por preços bem superiores, em outras livrarias. Os autores dessas obras vendidas por preço de final de feira, a popular xepa, como se sentirão? Humilhados e ofendidos? 
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