quinta-feira, 28 de março, 2024
31.1 C
Natal
quinta-feira, 28 de março, 2024

Uma região carente de áreas verdes

- Publicidade -

ZONA NORTE - Áreas ociosas viraram depósitos de lixos “Um descaso, um descaso.” O pensamento, renitente, martela a cabeça do morador do bairro de Nossa Senhora da Apresentação, Roosvelt Andrade dos Santos, 42, todas as vezes em que ele se depara com o enorme e ocioso espaço bem na frente de casa. No local bem que poderia ter uma praça, entende Roosvelt com seu modesto saber. Ou um equipamento comunitário qualquer; uma área verde para amenizar a quentura e encher de beleza o lugar; quem sabe uma quadra esportiva; ou ainda um campinho de areia que seja, limpinho, com duas traves, para os meninos, em sua alegria infatigável e sem freio, desatarem a correr atrás da bola. Não. Em vez disso, a visão triste do lixo e do mato a crescer e se multiplicar, o odor que empesteia o ar, os insetos e ratos que dali tomam as casas de assalto, a insegurança que se oculta na noite mal iluminada e deserta.

O terreno que Roosvelt olha diariamente com profundo pesar fica na Zona Norte, região de Natal onde ainda pode-se encontrar um grande número de áreas ociosas. Numa volta por aquele quadrante, é possível ver pelo menos quatro grandes terrenos na mesma situação. Na região como um todo, então, perde-se as contas. E já houve bem mais, pois ao longo dos anos muitos espaços destinados a áreas verdes ou a equipamentos comunitários acabaram sendo ocupados irregularmente (sem registro em cartório ou o alvará expedido pelo órgão público competente —anteriormente o Iplanat e hoje a Semurb). Grandes comunidades, favelas e loteamentos desordenados, carentes de todo tipo de infra-estrutura, nasceram e se espraiaram por esses espaços.

Jardim Progresso, África, Novo Horizonte, Câmara Cascudo, Nova República, Libanês, Amazonas, Aldeia Velha, Paraíso, Boa Sorte, Vale Dourado. Todos esses aglomerados urbanos nasceram à revelia dos órgãos competentes, ou seja, sem que estivessem sujeitos às normas que disciplinam a ocupação e uso do solo urbano no município.

Assim, a legislação urbanística, que destina 5% dos bairros/conjuntos para equipamentos comunitários e 15% para áreas verdes, ficando 20% para o arruamento e os 60% restantes para lotes, acaba sendo totalmente descumprida. A Zona Norte chegou a um nível de desordenamento tal que reparar os problemas tornou-se uma tarefa bastante complicada. Os técnicos da Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo (Semurb), têm dificuldades até para quantificar as áreas públicas pertencentes ao município de Natal.

Natal de São Gonçalo do Amarante

A raiz do problema, segundo o chefe do setor de Cartografia e Toponímia, Francisco das Chagas dos Santos, está nas leis que separam Natal de São Gonçalo do Amarante e os outros municípios vizinhos. “Quando São Gonçalo foi criado, em 1958, os limites de Natal já estavam definidos, pela Lei de 1953. Mas muitos terrenos que pertencem ao município foram registrados, de forma incorreta, em São Gonçalo do Amarante, que ficou com o bônus de arrecadar, enquanto nós ficamos com o ônus. Isso gerou um problema para a fiscalização e urbanismo”, diz.

Outro problema constatado pelos técnicos da Semurb é o reloteamento de lotes primitivos. Segundo a supervisora da região Norte, Solange Medeiros Cunha, e também Luiz Alberto Bezerra de Souza, supervisor geral de fiscalização Urbanística da Semurb, há imobiliárias dividindo grandes lotes em vários terrenos menores e comercializando. Tudo isso, sem registro.

Solange Medeiros não sabe quantificar, mas garante que em toda a região há muitas áreas ocupadas indevidamente. E assim a maior e mais problemática região de Natal segue seu curso. As áreas ociosas, que diminuíram mas ainda são muitas, transformam-se em lixões. Os moradores cobram as benfeitorias que não vêem. Uma simples praça que seja, no lugar do lixo e do mato, que só são limpos de quatro em quatro meses. Roosvelt Andrade dos Santos, morador da rua Alvorada do Norte, no bairro de Nossa Senhora da Apresentação, ficaria satisfeito, assim como todos que moram nas proximidades.

Comunidade se une em mutirão e limpa área

Um terreno grande, destinado à construção de uma área de lazer, entre as ruas Compositor Eronides de França e Cristo Rei, no conjunto Parque dos Coqueiros, foi por mais de uma década um lixão, até que a comunidade cansou de esperar pelo poder público e resolveu arregaçar as mangas.

A área foi limpa e cercada com pneus há seis meses. Os moradores se uniram em mutirão e, agora, estão vigilantes para que ninguém mais deposite lixo no local. Eles fincaram traves e dividiram a área em vários campinhos de futebol. O comerciante Aristeu Barbosa, 50, mora em frente ao local há 15 anos e disse que a situação estava ficando insuportável. “Convivíamos com o fedor e os ratos. Baratas e moscas, então, eram demais. Agora diminuiu, mas o risco de assaltos continua porque não há iluminação”, diz.Para Aristeu, o ideal seria que a Prefeitura urbanizasse a área, dotando-a de equipamentos comunitários. “Seria muito bom, pois as pessoas estão saindo daqui para caminhar próximo à lagoa de captação”.

Segundo o comerciante, antes da comunidade tomar a atitude de cercar o local com pneus, era constante a presença de carroceiros despejando lixo.

Sentimento coletivo de cidadania

Um outro grupo de moradores do Parque dos Coqueiros foi ainda mais adiante. Também em mutirão eles conseguiram pôr fim a um terreno público ocioso. E onde existia um lixão, hoje é uma pracinha bem cuidada, com grama, bancos, brinquedos e iluminação. No início da manhã e fim de tarde crianças, jovens e idosos caminham no local com segurança. Os moradores daquelas redondezas agora têm um espaço de lazer e socialização. Na verdade é muito mais que isso: eles têm um exemplo a dar e a ser seguido por outras comunidades.

O novo espaço está mudando o cotidiano. A mobilização em torno da praça acabou despertando um sentimento coletivo de cidadania. Surgiu daí a Associação Amigos do Parque dos Coqueiros, que se reúne regularmente. Nas conversas, nos bancos e calçada da praça, trata-se de assuntos amenos, mas também dos problemas do conjunto, como um outro terreno vizinho que há muito tempo também serviu de depósito de lixo. Hoje está limpo e é usado como campo de vôlei na parte da tarde. A Praça da Amizade começou a ser feita pela comunidade. A Prefeitura entrou depois, doando grama e instalando a iluminação. A inauguração é no próximo dia 15.

Conjuntos são registrados em Natal

Muita gente não sabe, mas os conjuntos Santarém, Gramoré, Pajuçara, Nova Natal e Parque dos Coqueiros não são registrados em Natal, e sim em São Gonçalo do Amarante, de forma indevida.

Segundo o chefe do setor de Cartografia e Toponímia da Semurb, Francisco das Chagas dos Santos, os conjuntos estão começando a ser legalizados agora. “Por enquanto estamos trabalhando com Gramoré, mas vamos dar continuidade e chegar aos outros conjuntos”, diz Chagas.

De acordo com ele, as implicações disso são muitas. Em primeiro lugar, a Prefeitura só pode levar qualquer benefício a essas comunidades com recursos próprios, o que dificulta em muito qualquer tipo de benfeitoria nessas áreas — seja ela uma praça ou equipamento comunitário. O problema é que, sem o título de posse da propriedade, o Município fica impossibilitado de recorrer a empréstimos.

O uso e ocupação do solo urbano de Natal foi regulamentado, em princípio, por uma lei de 1937, que passou por duas atualizações, em 1979 e, por último, em 1984, com o Plano Diretor. A legislação determinando os limites de Natal é de 1937, no entanto a Prefeitura só veio a receber áreas da Zona Norte depois da década de 70.

- Publicidade -
Últimas Notícias
- Publicidade -
Notícias Relacionadas