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Vale a pena ler de novo

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Valério Mesquita
Escritor

O doutor Antônio Soares foi uma das mais respeitáveis figuras da magistratura do Rio Grande do Norte. Pai do saudoso professor da UFRN Antônio Soares Filho, ex-deputado, escritor, secretário de Estado e intelectual. Lá pelos anos trinta, quarenta, seu pai era Juiz de Direito na capital e se caracterizava pela probidade e pontualidade nos compromissos do fórum. Outro não menos conspícuo era o tabelião Miguel Leandro, de voz forte e discursiva e palavreado solene e protocolar. O juiz Antônio Soares residia vizinho a uma família cujo filho sofria das faculdades mentais. Certa tarde, coisa que não acontecia, o ínclito escrivão Miguel Leandro afligiu-se com o atraso do magistrado a uma audiência no cartório. Preocupado, despachou o oficial de justiça até a sua casa para saber o que estava acontecendo. Lá chegando, bateu palmas e perguntou pelo doutor Antônio Soares, umas duas vezes. Como ninguém da casa respondeu, o funcionário ouviu da residência ao lado, um homem informar: “Tá não. Tá na casa da rapariga!”. Surpreso, olhos arregalados, o oficial de justiça deu por concluída a missão e voltou pro cartório. “Seu Leandro”, disse assustado o servidor judiciário, na presença das partes, “disseram que o juiz está na casa da rapariga!”. Aquilo soou como uma bomba. Indignado, apoiado na ponta dos pés, Miguel Leandro rebateu: “Protesto, protesto, isso é uma ignomínia!”. E foi por ai debulhando palavras clássicas do seu repertório.

Há uma dezena ou mais de anos, em vez de entrar de sola nos notívagos travestis da orla de Ponta Negra, a Secretaria Social do Governo do Estado optou por um tratamento com plumas e paetês. As ações periféricas e periscópicas passaram a cadastrar as tais minorias incompreendidas. O programa social queria ouvir de frente aqueles que tanto receberam nas costas as pauladas da vida. Afinal, um trabalho de promoção humana, Na madrugada fria um grupo seleto de assistentes sociais, médicos, psicólogos entregaram-se à tarefa samaritana de tornar fácil a vida difícil das mariposas da noite erótica de Natal, liderados pelo então secretário Tertuliano Pinheiro. Numa das sutis abordagens, em meio às conversas pedagógicas, uma “bichinha”, como diria o saudoso cômico Costinha, entusiasmada com a mobilização, apontou para uma coleguinha próxima: “Pois é, Cassandra eu estou morta de feliz. Olha aquele ali”, apontando para Tertuliano Pinheiro, “aquele é o secretário!”. “Nossa”, entusiasma-se o travesti, “como ele é fofo!”. Não deu, é bom que se diga, para segurar a seriedade e a perenidade desse programa, por mais bem intencionado que tenha sido.

Viajar e conhecer o mundo foi sempre disposição permanente em Diógenes da Cunha Lima. Europa, França e Bahia, como resumiu um poeta. Ultimamente visitou Praga, capital da República Checa, de povo, costumes e idiomas diferentes. Liderado por um guia que achou muito parecido fisicamente com o saudoso poeta Luis Carlos Guimarães, aí é que o presidente de nossa Academia de Letras tomou gosto pelo passeio juntamente com o seu grupo de turistas. Lá pras tantas, começou a se impressionar com o vocabulário e o significado misterioso das palavras do idioma tcheco com o nosso português. O guia, de forma natural e compenetrada, pediu ao grupo que aguardasse um pouco pois ia vestir a bunda para dá a largada. A bunda? A bunda? Foi a indagação estarrecida de alguns visitantes. Não mais que de repente, viram que bunda não era aquilo que pensava. Simplesmente bunda na língua de Praga significava jaqueta. Após os risos convencionais e naturais, o pessoal passou a refletir como as lojas tchecas anunciam a comercialização de jaquetas. “ vendem-se bundas”. “Atenção, não perca a grande liquidação de bundas, só até amanhã”. “Bundas de couro especial e resistente só na Loja do Varachislov”. “Na loja do Puskas as bundas não amassam, nem perdem o vinco”. “Na lavanderia de Milosovic você lava duas bundas pelo preço de uma”. “Bundas de todos os tamanhos e cores só com Wanda”. Bem, aí o leitor pode deduzir o quanto não passou pela imaginação de Diógenes da Cunha Lima que já estava vendo em cada tcheco que passava uma bunda em vez de uma cara. Talvez, daí, tenha surgido o nome da célebre revista brasileira.

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