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Validade da prova documental

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Diogenes da Cunha Lima
escritor e presidente da ANL

Universalizou-se a expressão pela qual é testemunha a prostituta das provas. Chamadas a depor em juízo, as pessoas costumam mentir, narrar os fatos de maneira distorcida, omitir acontecimentos importantes, fantasiar. Muitas delas, apesar de jurar o contrário, têm oculto interesse na solução dos litígios.

Por isso, muitos juízes desprezam o depoimento testemunhal e se apegam à possível veracidade contida nas provas documentais. Em minha longa vida profissional como advogado, tenho observado a necessidade de desconfiar da autenticidade das provas oferecidas para fazer Justiça.

Eu mesmo sou uma impossibilidade, no mínimo sou um absurdo documentado. Nasci em um dia vinte e seis de julho (consagrado a Santana). Se tivesse nascido mulher, seria Ana. Fui registrado seis dias antes de nascer, como certificou o tabelião juramentado Emígdio Rodrigues de Carvalho da Comarca de Nova Cruz. O certificador é oficial do registro público, que deve merecer fé. Ainda que minha mãe e meu pai dissessem que nasci a vinte e seis, o oficial registrou vinte. Como duvidar? Também fui batizado sete dias antes de nascer. O padre que me batizou chamava-se Bianor Aranha, um parente de Djalma Marinho. O meu batistério está por ele assinado, testemunhado pelos meus padrinhos, atestando que nasci no dia dois de setembro e, para surpresa, eu fora batizado no dia vinte e seis de agosto do mesmo ano.

É cômodo conferir credibilidade à prova documental, sem questionar. Alguns juízes chegam a considerá-la superior a outros meios de prova. Afinal de contas, é representação visível, palpável, física de um fato. Entretanto, muitos documentos são manipulados para atingir fim ilícito. Mesmo fotografias, filmes, desenho, escritos podem ser adulterados.

No elenco de provas, é possível levar a juízo prova testemunhal, pericial, prova emprestada, ata notarial. Nas últimas décadas, a própria vida humana foi internetizada. Por isso, a mais usada é a prova documental em formato digital. No Brasil, desde 2006, foi instituído o processo eletrônico em nossos tribunais.

Com todos os meios tecnológicos disponíveis, ainda sofremos erros judiciais, as injustiças da Justiça. As provas estão sujeitas, obviamente, à interpretação judicial. Quando a interpretação é literal, só excepcionalmente será justa a decisão.

Um exemplo de justiça perfeita está por Shakespeare em “O Mercador de Veneza”. Shylock, o judeu credor, pede o cumprimento do contrato de empréstimo a Antônio, mercador, com garantia de uma libra de carne como registro no cartório: “cortada da bela carne do corpo, vos há de ser cortada onde bem me aprouver”. Significa dizer, Shylock poderia retirar seu crédito dos lábios, orelhas, órgão sexual, o que quisesse. A juíza improvisada, deu razão ao credor, mas avisou que retirasse a carne sem sangue e no peso exato. Caso contrário, o credor seria condenado à morte e à perda dos seus bens. Justiça feita com dupla interpretação literal.

O mecânico pernambucano Marcos Mariano da Silva suportou seis anos de cadeia por crime cometido por outro do mesmo nome, homonímia. Identificado corretamente, foi solto. Três anos depois foi reconhecido como fugitivo da prisão em uma blitz. Reconduzido, passou mais dez anos. Pleiteou indenização judicial, que foi arbitrada em dois milhões de reais. Ao tomar conhecimento da final procedência da ação do Superior Tribunal de Justiça, enfartou e morreu. O princípio é a imutabilidade do prenome e havia dificuldade para mudar o nome.

Na década de sessenta, fui procurado por um cidadão conhecido como Carlos, mas que se chamava Karl Marx e desejava mudança, vez que fora ameaçado de prisão como comunista pelo Regime Militar. Afirmei-lhe a impossibilidade jurídica, mas falei com meu amigo e mestre Seabra Fagundes. Ele antecipou a lei: “O prenome é imutável. Imutável é aquele que identifica a pessoa, não o apontamento cartorial. Entre com a ação que um bom juiz concederá”. Deu certo. Somente em 1973, a Lei do Registro Público autorizou a mudança quando o prenome traz constrangimento ao registrado.

O Tribunal de Justiça de São Paulo concedeu a mudança do prenome a um japonês naturalizado. Ele se chamava Kumio Tanaka e queria mudar para Jorge Tanaka. É que havia a gozação: “comi o Tanaka”.

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