Ramon Ribeiro
Repórter
Foi em Ponta Negra que Marize Castro escreveu quatro de seus sete livros publicados, e um novo, previsto para o ano que vem
“Ponta Negra está no imaginário do natalense. Mesmo quem não mora aqui se sente atraído. É o bairro, a meu ver, onde há maior diversidade, onde o diferente está em toda esquina: é a moça de cabelo azul, a senhora de cabelo lilás, o nativo com gigantescas tatuagens, o pescador aparentemente calmo e destemido, o hoteleiro apressado, o carroceiro que sofre quando o seu cavalo morre”, descreve a poeta, que já publicou alguns poemas em que sua casa na Vila é citada. Bastante reservada, Marize se abre um pouco nesta entrevista para falar da sua Ponta Negra, revelando um olhar sensível sobre diversos aspectos do bairro.
Há muitas pessoas de outros estados, outros países, morando neste bairro. E, ironicamente, foi um amigo de Minas Gerais que me incentivou a morar aqui. Ele havia comprado um terreno aqui e me disse que o terreno vizinho ao dele estava à venda. À época, eu morava no Tirol, mas sempre flertei com Ponta Negra. Enfim, comprei o terreno e construí uma casa que me abriga fielmente desde o final dos anos 1990.
Observo que dentro de Ponta Negra há três possibilidades: você pode morar no denominado “Conjunto”, você pode morar na Orla, à beira-mar, ou você, pode morar na Vila, onde moro. Cada um tem sua peculiaridade. Antes a Vila era predominantemente habitada por pescadores e suas famílias. Quando eu aqui cheguei havia mais árvores, menos carros e era bem mais calmo.
Minhas boas histórias vividas em Ponta Negra são sempre muito íntimas: as árvores que plantei com meu pai; a descoberta do amor verdadeiro e da amizade verdadeira; o parto que fiz de Pandora, minha Rottweiler amada – lembro que olhei para o meu vestido branco sujo de placenta na madrugada e com aqueles pequenos seres em minhas mãos tive a certeza de que a vida é um milagre.
Minha relação com a poesia é bem anterior [à chegada no bairro]. Talvez o silêncio inicial que encontrei aqui tenha favorecido minhas leituras e minha escrita. Quando eu cheguei em Ponta Negra eu havia escrito “Marrons crepons marfins”, “Rito” e “Poço. Festim. Mosaico”. Portanto, foi neste bairro que nasceram todos os outros [livros] que vieram depois desses três.
É um bairro muito luminoso e com muitas nuances favorecidas pela natureza. A antiga vila de pescadores, onde construí minha casa, possui, a meu ver, uma transcendência. É uma dádiva morar aqui, poder encontrar o mar sempre e sempre me deixa mais fluida, sinto que meus sentidos detectam e percebem mais. Sim, há uma atmosfera que inspira um retorno à sensibilidade.
Minha casa de Ponta Negra já apareceu em alguns poemas escritos por mim. A construção de minha casa foi quase uma metáfora de minha própria construção como pessoa. Cada parede erguida significou uma interiorização que me fez, acho, um ser melhor. No livro “A Mesma Fome”, publicado em 2016, há o poema “Bruta. Terna. Crua” que diz: Bruta é a solidão desta casa/numa antiga vila onde pescadores reinavam./ Terna é a memória desta casa/ que tudo guarda: escritas enviesadas,/abandonados uivos de já adormecidos lobos./Crua é a solidão neste pátio/ com cheiro de cloro/ de onde partem elipses/ e para onde retornam/ esmaecidas guirlandas/ de moças de intensa luz: guardiães dos primeiros tesouros/ após os últimos destroços.
Adoro o início do dia, então o meu contato com o mar é sempre nas primeiras horas do dia. Nessas horas, colocar o pé no chão naquela areia e depois entrar naquela água morna e salgada é uma experiência que me fortalece e me faz acreditar na vida.
Há vários perfis de estrangeiros morando aqui. Há vários perfis de turistas que se hospedam em Ponta Negra. Penso que se os gestores públicos fossem mais atuantes o bairro poderia ser mais sustentável. Isso significaria uma relação civilizada e prazerosa entre estrangeiros, natalenses e turistas.