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Viagem por tempos mais verdes do Tirol

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Cinthia Lopes
Editora

Dácio Galvão passou seus 58 anos de existência no bairro do Tirol, zona Leste de Natal. “Nasci na Casa de Saúde São Lucas e vim direto para a rua Campos Sales, perto da Ceará-Mirim”, conta o escritor, produtor cultural e  secretário Municipal de Cultura, na estreia desta seção “Minha Área”. A casa onde cresceu, hoje abriga a Fundação Hélio Galvão, dedicada ao historiador e advogado potiguar, pai de Dácio – que atualmente mora rua Maxaranguape nas proximidades da antiga morada. “Tirol é o bairro onde nasci, curti e nele continuo vivendo. E, claro, também morrendo…”
Dácio Galvão, escritor e secretário de Cultura
Para ele o bairro ganhou traços novos e está bastante diferente, perdeu muitas das suas características, como por exemplo a vida social deu lugar a uma certa impessoalidade entre os moradores – e nesse sentido, Dácio não crê mais em projetos que recuperem as relações sócio-comunitárias da região. “Ficou no passado”, lamenta.

Mas ele acredita ainda ser possível vivenciar bons momentos no bairro, sobretudo em pequenos detalhes, como caminhar sob a sombra das centenárias mangabeiras da Jundiaí, ou encontrar resquícios de um tempo de outrora, onde a sede do América é exemplo de arquitetura moderna, ou mesmo, ouvir histórias nostálgicas de antigos moradores, como a Dona Maria, que até hoje vive na Vilinha de Seu Valdir. Viagem pelo Tirol, pelos olhos de Dácio Galvão:

Dácio, como foi sua infância e adolescência no bairro?
Minha infância foi vivenciada no enorme quintal com galinhas, cachorros, coelhos, inúmeros pássaros e frutíferas: mamoeiros, goiabeiras, cajueiro, limoeiro, graviola, mangueira. Brincava, me divertia. Estudava no colégio Marista, onde fiz meus primeiros colegas, aprendi e recebi ensinamentos cristãos. Tudo sob uma áurea de família extremamente acolhedora.
Na adolescência, peladas diárias no Campo de Maria Preta, exatamente aonde hoje se localiza o Supermercado Nordestão, na Prudente de Morais, molecada em peso. Em dias de chuva, banhos de biqueiras e, no estio, jogos de bilocas e triângulos, que na areia molhada e compactada, fazíamos labirintos geométricos, arremessando o ferro que nela se enfincava. Geometrias pueris.

E o que dava para fazer nos arredores…
Tinha as frequentes visitas a Lagoa Manoel Felipe, ainda não poluída, atual Cidade da Criança, para passeios em barco à remo, visita ao zoológico, e também ir a sorveteria. Tudo sob sonoridades: Rock and Roll, Blues, Soul, Country. Ah! Matinês carnavalescas no América Futebol Clube eram imperdíveis.

Conte uma história ou um segredo sobre o lugar?
Vou revelar: clandestinamente me apropriava de suculentas mangas e cajus  e saborosíssimas pitangas do Seminário São Pedro, pulava o muro e acontecia o deslumbre gustativo.

Há espaço para saudade?
Saudade de um bairro que vivia calcado nas relações familiares, comunitárias, do ócio lúdico e da tranquilidade do ponto de vista da segurança pública. Andar livremente pelas ruas e avenidas, descalço, sem camisa só de bermuda.

Mudou muito daquela época para os dias atuais?
Muitíssimo. Urbanização, adensamento, acentuada impessoalidade entre os moradores. Progresso pra lá de questionável, não qualifica e exclui as relações humanas.

Quais sugestões você daria  para tornar o lugar melhor?
Talvez uma incrementação de ações sócio-comunitárias, integrativas. Infelizmente algo que não acredito que possa mais acontecer.

Dê uma dica sobre algo bom para fazer, que só os nativos como você conhecem?
Caminhar no final da tarde na rua Jundiaí, olhar as manguabeiras centenárias que um dia Câmara Cascudo decantou-as em uma crônica antológica na paulistana Revista de Antropofagia. Ou sentir os ventos carregados de iodo marinho do lugar-Tirol, percepção registrada no livro “Turista Aprendiz”, do etnólogo Mário de Andrade. Portanto, se aguçar os sentidos o Tirol revela seus segredos.

Ainda é possível encontrar no bairro algum vestígio dessa época?
A sede do América belo exemplo de arquitetura moderna com enorme painel de Aécio Emereciano em baixo relevo e com desenhos internos de Newton Navarro.

Você falou em relações pessoais. Ainda existe alguém que remeta a esse velho Tirol de sua juventude?
Sim. Tem uma figuraça, poderosa que é Dona Maria, com noventa e lá vai fumaça. Lavadeira e engomadeira à moda  antiga. Mora no mesmo endereço: numa Vilinha de Seu Valdir (já falecido), espremida pelo muro do nosso sempre mesmo endereço, na avenida Campos Sales, e os limites de casas da antiga Vila do IAPC. Ela não tem plano de saúde, apesar das limitações da idade, mas dá conta da vida de todos. Crônica diária do quarteirão.

O Tirol…
Em 1901 foi criada a Cidade Nova (correspondente aos bairros de Tirol e Petrópolis) pelo intendente Joaquim Manoel Teixeira de Moura, em uma região ocupada por vivendas, quintas e granjas. Na época, a cidade achava-se comprimida entre a Ribeira e a Cidade Alta. O local abrangia terras do sítio pertencente ao suíço Jacob Graff, por volta de 1860, cujos limites iam até a Ribeira. O plano de construção da Cidade Nova foi de autoria do agrimensor e arquiteto italiano Antônio Polidrelli, e compreendia o espaço ocupado desde a Av. Deodoro à rua Campos Sales, abrangendo 60 quarteirões, compreendendo ruas, avenidas e praças. A criação destes bairros, concluída em 1904, constitui-se na primeira forma de ordenamento urbano de Natal.

Em 1939, também, foi lançada a pedra fundamental da construção do quartel do 16º Regimento de Infantaria, na avenida Hermes da Fonseca, que começou a funcionar em fevereiro de 1942, numa área de 99,84 hectares.  Na década de 1940, estrada ligando Natal ao Aeroporto de Parnamirim (atuais Hermes da Fonseca e Senador Salgado Filho) representou um dos marcos de crescimento da cidade, pois constitui-se numa das mais importantes vias de circulação interna desta Capital.

No Tirol, encontram-se prédios antigos como o Seminário de São Pedro, Lagoa Manuel Felipe. Segundo o historiador Olavo de Medeiros Filho, no livro Terra Natalense, “a lagoa já era referida, em documentos de 1646, como um pequeno lago de onde nascia o Rio da Cruz, depois chamado de Rio do Baldo, afluente do Potengi”.  A origem do topônimo liga-se ao proprietário das terras onde a lagoa se encontra. Atualmente, a Lagoa Manuel Felipe abriga a Cidade da Criança, espaço cultural e de lazer, destinado, preferencialmente, ao público infantil.

O nome Tirol, afirmava Pedro Velho, foi apenas uma lembrança da Áustria, como era costume na época. Oficializados como bairros pela Lei n.º 251 de 30 de setembro de 1947, na administração do Prefeito Sylvio Piza Pedroza, teve seus limites redefinidos na Lei nº 4.330, de 05 de abril de 1993.

Colaborou: Ramon Ribeiro

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