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Whitman 2

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O mundo absurdamente aberto da tradução gera perspectivas e consequentemente universos que vão dos intimismos convencionais até às esferas das metalinguagens. Desde a possibilidade de assistirmos a oralização de uma poesia de Walt Whitman feita pelo jornalista Jorge Pontual, como pintou recentemente na telinha global em bom português chegando a estratosfera de uma operação tradutora de Khlébnikov por Augusto de Campos. A inédita ousadia tradutora cascudiana dos versos de Walt Whitman nos permite atualizarmos pelo vasto teor democrático contemplados nas escrituras temáticas compostas em liberdade sem a armadura rija e inflexível do tempo transpormos para momentos do hoje do aqui e do agora.

Se observa que a relação de Luís da Câmara Cascudo com o gênero da poesia e com o tema da modernidade permaneceu ao longo dos conturbados anos de 1940, especialmente através da substância da tradução de três poemas do norte-americano de West Hills, Walt Whitman, poeta de reconhecida importância por sua recepção entre as vanguardas históricas. A incursão nos textos whitmanianos decodificava aspectos desencadeadores da modernidade literária. Todo esse mergulho pode ser entendido como demanda poética. Convenhamos, reelaborar em outro idioma as poesias do norte-americano antecipador de estéticas novas e contemporâneas, com repercussão na vida literária local, no caso em foco Natal, foi no mínimo feito extraordinário.

As traduções publicadas em 1945 estão situadas em contexto especial, significando atualização e retomada de processos criativos. Contato textual influenciador da poesia e da prosa modernas, a voz whitmaniana se junta ao coro de vozes estrangeiras que ressoava nas ruas da Natal nos anos 1940. A cidade estava literalmente invadida por tropas americanas em combate na 2ª Guerra Mundial. Traduzir Walt Whitman, nessa conjuntura, poderia aventar a compreensão daquelas vozes. Era um vozerio que reverberava assim, dizia LCC: “Durante a guerra (1942-45), trabalhando na defesa civil de Natal, frequentei Parnamirim Field […]. Atores e atrizes de primeira grandeza vinham dar shows animadores. Os mais estridentemente famosos e as mais visceralmente temperamentais. Não houve “glória” cinematográfica que eu não encontrasse em Parnamirim. Uma característica era a mobilidade, inquieta, incessante, ansiosa, numa expectativa dolorosa de má notícia e desgraça. Estavam sempre andando, falando, a fisionomia cheia de perguntas, os olhos sem pouso. […]. Nenhum me daria a imagem fugitiva da felicidade relativa, do bem-estar físico, a tranquila posse de notoriedade. Para que tanta batalha? Much a do about nothing. O riso era uma representação perfeita. Não percebiam, realmente, o que recebiam ou compravam. O cabo, chauffeur da polícia, que me levara, resumiu a impressão surpreendida: – que gente agoniada”. No ano de 1945, Luís da Câmara Cascudo publicou traduções em “Pensamento da América”, suplemento literário pan-americano do jornal o?cial do Estado Novo, A Manhã. “Pensamento da Améri- ca” foi publicado de 1941 a 1948 e dirigido pelo poetas e diplomata Ribeiro Couto entre 1941 e 1943 e por Renato Almeida (musicólogo, chefe do Serviço de Informação do Ministério das Relações Exteriores) entre 1943 e 1945. A admiração do poeta Wal?an de Queiroz é compartilhada por Sanderson Negreiros, igualmente poeta depondo sobre o poder de sugestão lírica dos textos cascudianos: “Pouco se tem enfatizado na obra de Luís da Câmara Cascudo o poder de sugestão lírica que está presente em grande parte do que escre- veu, com mão inaugural de quem surpreende a intacta e poderosa poesia das coisas – “sut lacrimae rerum”. Não só do tradutor de Walt Whitman e do estudioso do poeta Antônio Nobre, o tísico genial português, que arrancou de Cascudo um estudo de uma simpatia humana profunda, muito além do que permite a visão puramente crítico-literária.”

O texto amalgamado no compromisso irrequieto moderno de Luís da Câmara Cascudo resultado do fazer poético de WW potencializa uma tradução múltipla considerando que em última instância a “poesia não se traduz”. Isso posto devemos considerar que LCC depois de passar por períodos revoltos de polêmicas sobre modernidade literária, fato cumpriu a tarefa que enriquecera também os poucos e qualificados leitores de sua poesia. Entre eles: Manuel Bandeira, Ribeiro Couto, Carlos Drummond de Andrade, Joaquim Inojosa e Mário de Andrade. O escritor percorreu todo ativismo intelectual engajado nesse gênero literário que sempre o alinhou a esse gênero literário. Não abdicou de cultivá-lo. Não se colocou estrategicamente. Tudo pinta no interesse e na fruição. Foi o que o levou a fazer remessa à poética com a “quinta dimensão do mundo”.

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