Um papagaio que fuma charuto, veste colarinho e usa bengala faz as malas rumo a Hollywood. A legenda informa: “Walt Disney levou o papagaio.” O macaco, um dos bichos que observam a cena, comenta: “Esse papagaio vai ser um sucesso de bilheteria; fotogênico, orador e, sobretudo: impróprio para menores…” O desenho de J. Carlos, considerado por muitos o maior cartunista brasileiro, foi capa da revista Careta em outubro de 1941, pouco depois de Disney ter feito um tour pela América do Sul.
No ano seguinte, Zé Carioca, o papagaio malandro da Vila Xurupita, surgiria no cinema em “Alô Amigos”, ciceroneando o Pato Donald no carnaval do Rio. Em 1944, voltaria às telas, mais uma vez ao lado de Donald, em “Você já Foi à Bahia?” Nos filmes, coincidentemente, o louro fuma charuto, veste colarinho e se apóia em um guarda-chuva. Claro, também usa chapéu de palhinha e gravata borboleta, além de paletó. O contato entre J. Carlos e Disney está documentado e é praticamente consenso entre pesquisadores que, de alguma forma, Zé Carioca foi inspirado pelo artista brasileiro, cujo primeiro nome também é José.
A Seleções Reader’s Digest, revista americana publicada em todo o mundo, não teve dúvidas. Em edição de 1969, creditou a origem de Zé Carioca a J. Carlos. “Em ‘Alô Amigos’, Disney criou um novo personagem – o Zé Carioca, um papagaio inspirado num desenho do inesquecível caricaturista brasileiro J. Carlos, que Disney tentou levar para Hollywood para trabalhar em seus estúdios. O Zé Carioca de J. Carlos até hoje pode ser visto na Disneylândia.”
Walt Disney desembarcou no Brasil com status de celebridade ao mesmo tempo em que a 2ª Guerra Mundial devastava a Europa. Veio acompanhado por uma equipe de desenhistas, músicos e escritores. No Copacabana Palace, onde se hospedaram, um estúdio foi montado. Disney, porém, não estava no Brasil apenas como homem de cinema. A exemplo de outras personalidades, foi agente da política da boa vizinhança, o modo que o governo dos EUA encontrou para reforçar sua hegemonia no continente, estreitando laços afetivos por meio da indústria cinematográfica, em um período altamente conturbado. O arquiteto da viagem foi Nelson Rockefeller, coordenador de Assuntos Interamericanos no governo Franklin Delano Roosevelt, que financiou os filmes da Disney.
Em entrevistas a jornais da época, Disney anunciou que um dos objetivos da viagem à América do Sul era colher material para personagens e enredos. “Uma das minhas preocupações presentes é fazer coleta de material folclórico, de histórias populares, de canções e de temas musicais, para em torno deles bordar alguns dos meus filmes”, declarou Disney, em A Noite Ilustrada.