Depois de cinco décadas de espera, a Copa do Mundo voltou a ser dos brasileiros. Desde que o Brasil foi anunciado como país-sede da Copa do Mundo da FIFA 2014, ao final do mês de outubro de 2007, uma das palavras mais ouvidas pela população brasileira foi transparência. Em outras palavras, o termo consiste em clareza, limpidez. Desta forma, os recursos destinados pelo Governo em qualquer uma das suas instâncias – Federal, Estadual ou Municipal – seriam rigorosamente acompanhados por quem se interessasse em fiscalizá-los através das Salas de Transparência instaladas nas cidades-sedes do Mundial e nos portais de acompanhamento das obras de construção e reforma dos estádios, mobilidade urbana, intervenção em portos e aeroportos.
O Governo Federal, ainda em 2007, afirmou que todos os gastos, investimentos e repasses de recursos públicos às cidades-sedes com vistas à Copa do Mundo da FIFA Brasil 2014 seriam minuciosamente expostos em “Portais da Transparência”. Através dos websites, a população poderia realizar o “controle social” com o acompanhamento das informações que deveriam ser atualizadas sempre que houvesse uma movimentação em determinado processo financiado por parte dos R$ 26,5 bilhões previstos para serem consumidos com a estruturação das doze capitais brasileiras que sediarão os jogos.
A realidade, porém, ainda está aquém do esperado pelo próprio Governo Federal e, principalmente, pelos representantes da sociedade civil interessados em acompanhar os gastos. Falta “clareza” aos portais da transparência. “Para começar, existem pelo menos cinco portais na internet com dados globais sobre o evento, criados pela Controladoria Geral da União (CGU), Senado Federal, Tribunal de Contas da União (TCU), Ministério do Esporte e Instituto Ethos. Apesar da louvável intenção de dar transparência ao megaevento, faz-se necessário o trânsito permanente de informações entre Governos Municipais, Estaduais e Federal para que os sites estejam sempre atualizados, o que infelizmente não está acontecendo”, ressaltou o economista e fundador da organização não governamental Associação Contas Abertas, Gil Castello Branco.
No dia 26 de setembro do ano passado, a Prefeitura do Natal através da Secretaria Municipal da Juventude, do Esporte e do Lazer (Secopa), lançou o que ficou conhecida como a primeira “Sala da Transparência” entre as cidades-sedes do próximo Mundial. O espaço tem como objetivo disponibilizar todos os documentos referentes às ações que estão sendo desenvolvidas em Natal. Além dos projetos arquitetônicos, a Sala da Transparência colocaria à disposição da sociedade cópias de todos os contratos e balanço financeiro dos investimentos que estão sendo realizados em Natal e região metropolitana. O que, de fato, ainda não ocorreu.
Os problemas relacionados à falta de informações não atingem somente Natal. Os próprios portais do Governo Federal publicam notícias contraditórias. De acordo com um levantamento da Associação Contas Abertas, a Controladoria Geral da União (CGU), por exemplo, informou que os investimentos em portos, aeroportos, estádios, obras de mobilidade urbana e os financiamentos para novos hotéis custariam R$ 26,5 bilhões. No mesmo estudo, a Associação identificou que o Governo Federal evidenciou o atraso no cronograma das intervenções ao informar que 37% do total de obras previstas foi, de fato, contratada. O percentual corresponde a R$ 9,9 bilhões, dos quais somente R$ 2,1 bilhões já foram pagos.
Um fato que é desconhecido por grande parte da população, talvez até pela maioria dos brasileiros, é de que os valores até agora publicados pela União dizem respeito somente à estruturação inicial das doze capitais brasileiras que sediarão os jogos. “Convém ressaltar que os R$ 26,5 bilhões correspondem somente ao chamado “Primeiro Ciclo”, não incluindo itens como segurança, telecomunicações, infraestruturas energética e turística, saúde e qualificação profissional”, destacou Gil Castello Branco. De acordo com ele, os projetos de infraestrutura de suportes e serviços do “Segundo Ciclo” ainda estão em fase de discussão. Há, ainda, a montagem de estruturas temporárias e adaptações nos modais de transporte para os dias dos jogos, que compõem o “Terceiro Ciclo”. Estas intervenções sequer foram discutidas e seus custos ainda são desconhecidos.
“A promessa de que qualquer cidadão poderia acompanhar os custos da Copa ainda não foi cumprida. É urgente, portanto, que seja criada uma sistemática regular de alimentação e atualização desses portais, para que atendam à finalidade para a qual foram criados”, enfatizou Gil Castello Branco.
Bate-papo
Valmir Campelo » relator das obras da Copa do Mundo da Fifa Brasil 2014 e presidente do Tribunal de Contas da União
Ministro, como a sociedade pode fiscalizar a utilização de recursos para as obras da Copa do Mundo?
Fazendo o controle social. Eu acho que é muito importante a atenção através do portal do Tribunal de Contas da União (TCU), que nós estamos atualizando e que é motivo de discussão com os Tribunais de Contas de Estados e Municípios, manter a constante atualização. Somente desta forma, a imprensa e a sociedade tem acesso ao custo da obra, ao acompanhamento financeiro de todo o desenrolar da obra. Isso é uma obrigação nossa. Nós mostrarmos a transparência para a sociedade. A imprensa e a comunidade devem participar ativamente fazendo o controle social.
Muitos Estados e municípios ainda não disponibilizaram informações relacionadas às contratações e uso de recursos públicos destinados às obras com vistas à Copa do Mundo da Fifa Brasil 2014. O que o Tribunal de Contas da União tem feito para garantir o acesso às informações deste tipo?
É um dos assuntos tratados com os Tribunais de Contas de Estados e Municípios. A questão da atualização é discutida em reuniões.
Em relação à Lei Geral da Copa, qual seu ponto de vista, como ministro do Tribunal de Contas da União e relator das obras da Copa do Mundo da Fifa Brasil 2014, em relação a esta discussão?
Este é um assunto do Congresso Nacional. O Tribunal de Contas da União não se envolve nos problemas legislativos. Nós deixamos a discussão no âmbito do Congresso Nacional.
Nós estamos a menos de dois anos e meio da Copa do Mundo da Fifa Brasil 2014 e as obras de mobilidade urbana em Natal praticamente não começaram. Como o Tribunal de Contas da União vai fiscalizar para que não haja superfaturamento ou locupletamento ilícito de gestores públicos e empresários?
Atentos. Nós estamos também torcendo para que haja uma definição por parte do Governo Federal na locação dos recursos para que os projetos executivos possam ser elaborados. Os governos (Estaduais e Municipais) ficam impedidos de apresentar os projetos executivos pois não sabem em qual matriz de responsabilidade os recursos serão disponibilizados.
Em relação aos projetos de mobilidade do Governo do Estado, cujos valores orçados saíram de menos de R$ 100 milhões para cerca de R$ 220 milhões, o que o senhor tem a comentar?
O Governo do Rio Grande do Norte sugeriu uma “refeitura”, um reestudo do projeto para melhorar para o Estado. E com razão. Pois vai dar uma flexibilidade maior, com uma visão maior, em função da melhoria do Estado. Então é óbvio que terão de ser alocados mais recursos para que o Governo possa cumprir isso e fazer, obviamente, os projetos executivos.
Existem culpados em relação aos atrasos das obras de mobilidade urbana?
Não vejo culpados, não existe má fé, não existe má vontade.
Qual é, então, a relação da economia de R$ 500 milhões que o TCU fez após analisar os projetos das obras de mobilidade urbana em nível nacional?
A economia que o Tribunal de Contas da União fez não é fruto de corrupção, não é fruto de desvios. É fruto de entendimento das duas partes, do TCU – que fez uma economia de mais de R$ 500 milhões – e dos gestores que atenderam e verificaram que nós estávamos certos. Só poderíamos apontar culpados ou corruptos se a licitação tivesse sido feita, se nós tivéssemos detectado alguma irregularidade grave, se o gestor já tivesse tido a ampla defesa esgotada. Aí sim, teria culpado. Ninguém pode culpar antecipadamente as pessoas.