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Mistura e manda

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Vicente Serejo
Não creio que esta nossa raça miscigenada seja fraca e a causa da malandragem. Ou se é muito mais pelo jeito maroto, o jeitinho, que adquirimos ao longo de cinco séculos. Sou mais inclinado a acreditar que o traço fundamental da personalidade brasileira vem da esperteza em função do instinto de sobrevivência no seu processo civilizatório. Sim, o brasileiro é esperto, não se pode negar, mas para compensar as condições profundamente desiguais que enfrenta.  
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Deve ter sido esse temperamento sabido que nos dotou dessa nossa capacidade de não acreditar no bom limite de todas as coisas. Somos imbatíveis na mixórdia do verdadeiro com o do falso – do real e do irreal, do lógico e do ilógico. E a mistura tem sempre o mesmo uso servil: atender aos interesses de um dos dois lados. Somos mesmos bons feiticeiros e por isso vivemos bem entre verdades e verossimilhanças, se a realidade, aqui pra nós, não basta para convencer.  
Nosso último feitiço é misturar crimes militares com crimes praticados por militares e tudo em razão do velho corporativismo castrense. Façamos por menos. Se um militar atropela um civil no trânsito, por suposto, para citar um exemplo de delito comum, nem por isso esse militar responderá perante a Justiça Militar. É um crime civil a ser julgado pela Justiça comum. Não é crime militar e, por isso mesmo, não pode ser julgado por uma justiça sob leis especiais.
A polarização chegou a níveis tão exacerbados no Brasil, e sem nenhuma sustentação lógica, que acabou sendo o útero perverso que gerou o maniqueísmo. E da pior espécie, aquele no qual o bem e o mal se alternam a serviço de um lado e do outro, dependendo do que possa destruir ou evitar a destruição da imagem pública dos seus contendores. Jair Bolsonaro e Lula exercem ao mesmo tempo o bem e o mal, segundo professam suas manipuladas redes sociais. 
Esse fato, com suas circunstâncias inevitáveis, não só suprimiu o debate, sempre salutar nos regimes democráticos, como fez pior: substituiu argumentos por desaforos. Quando não leva a discussão das ideias a um fosso ainda mais sombrio: o de tentar conquistar a vitória pela capacidade de denegrir o adversário, estratégia que se tornou aguda ao incorporar o marketing como forte instrumento de luta. No meio, sufocadas, agonizam a vida e a honra de cada um.
O papel mais difícil de uma democracia, ao substituir argumento por desaforo, é o ofício do jornalismo de questionar diante dos olhos e ouvidos da sociedade. Na prática, também o jornalismo acaba demonizado pelo maniqueísmo do elevado confronto do bem contra o mal e, muitas vezes, sem conseguir facilmente separar o falso do verdadeiro. Vejam o caso das joias milionárias. Enredo e cenas típicas de uma civilização de valores ainda muito pouco lapidados.  

PALCO 
CÓCORAS – Aquela foto, em oito colunas, na capa da edição de ontem desta TN, é um retrato perfeito da crise: um trabalhador acocorado assiste às cenas de terror. É a sociedade de cócoras.  
PIOR – Só a posição de vereadores exigindo que os ônibus circulem, mesmo sob a ameaça de vidas, da destruição da propriedade privada e do patrimônio público. É defender uma aberração.  
LEITURAS – O advogado Heráclito Noé toca os detalhes finais para a edição do seu segundo volume com as anotações de leitura. De livros, falas oficiais e não oficiais, da vida e da morte. 
MAR – Diante da insegurança e da consequente falta de transporte público, o Instituto Histórico adiou a palestra de ontem do professor Graco Viana sobre a riqueza da pesca aqui no Estado. 
REAÇÃO – Para o Planalto, o RN é um dos únicos estados liderados pelo PT, daí a necessidade de apoio da Força Federal. O próprio ministro da Justiça recebeu instrução direto do Planalto. 
MAS – A prática tem demonstrado que a prontidão presencial é importante, mas não basta. Hoje é preciso ter moderno aparato de informação para tentar desmobilizar a ação antes de acontecer.  
POESIA – De Myrian Coeli, em O Palhaço, ilustrações de Newton Navarro, Boágua, 1992: “O palhaço é um sonhador / caçando borboletas de estilingue / e no camarim tenta à mascara fugir”.
RISCO –  De Nino, o filósofo melancólico do Beco da Lama, regando com o uísque sua velha desconfiança do mundo: “O dinheiro é um santo quando liberta e é profano quando escraviza”.  
CAMARIM

LUTA – O secretário de segurança pública e da defesa social, coronel Francisco Araújo, é um policial de larga experiência, sereno e testado na prática, e sabe: o elemento surpresa é a grande arma das facções e sua eficiência está na criação de cenários de horror tocando fogo nas ruas. 
MAIS – Sabe também que o monitoramento de cidade de porte médio, como Natal, beirando um milhão de habitantes, não é possível sem tecnologia. A informação é tão essencial quanto a bala. A estratégia é ter informação e dissuadir. O confronto só quando é indispensável reprimir.  
ALIÁS – O confronto com a violência das facções expõe em demasia a vida dos soldados, ainda que seja da profissão. Ser policial é um gesto voluntário, mesmo reconhecendo-se a dureza do ofício, e a bravura. Ao subestimar a ameaça, dias antes, pode ter sido um erro estratégico fatal.    
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